domingo, 1 de agosto de 2010

O último vinil



os sebos ainda vendem vinil. eu sei. digo 'o último vinil' antes da chegada do CD à lojas especializadas em vender música. ainda me lembro do último que comprei. 'the definitive Simom & Garfunkel'. foi em 1994. parei meu carro velho à porta da loja, um carro todo em pedaços, vivíamos uma ressaca de um porre que não havíamos tomado, catei o dinheiro do bolso, uma série de notas que eram completadas por moedas e o dono da loja embrulhou o LP pra mim. música dos anos de 1960 em plena década de 1990. é possível ser feliz durante a execução de uma música, - anos mais tarde aprenderia com a naúsea de Sartre que podemos ser eternos no tempo em que dura a canção. mas voltando: em 1994 havia o desemprego, a falta de dinheiro, a falta de perspectiva e os filhos crescendo. eram cenas de uma catástrofe não mais iminente, mas perene, suavizada pela agonia. o único meio de comunicação era a TV, somente canais abertos. era um ritual de morte diário de nossa cultura. a elite virara as costas, fechada em casas cheias de alrames, com discurso ainda mais conservador, queriam mais polícia, mais presídios e sonhavam com Miami. eles tinham que entender que no capitalismo o dinheiro deve circular, passar de mão em mão, mas não: viver não era preciso, especular, imprescidível. 2010. vivo em outro país.

31.07.10: meu filho deitado na rede pendurada na árvore do quintal. eu liguei o aparelho de vinil. sim, ainda ouço vinil. coloquei esse mesmo 'simom & garfunkel'. e ouvímos aquelas pérolas que não envelhecem. beleza melódica, letras sarcásticas, viloões e vozes mais afinados que os diamantes de Orfeu; a música já foi assim um dia. ao fim da execução lado A pedi a meu filho que colocasse o lado B para tocar. ele tem 20 anos. foi a primeira vez em sua vida que manuseou o mecanismo de um aparelho de vinil. deslocar o braço mecânico, para colocar a agulha sobre o vinil em movimento, é gesto de 'pessoa zen'. até que ele não foi tão mal. mas exclamou: "que treco difícil!"

mas conseguimos ouvir o lado B.

2 comentários:

  1. Belo texto.Ressaca de um porre que nunca tomamos.Saudades nenhumas daqueles anos.Alício.

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  2. Belo texto!Saudades nenhumas saqueles tempos Éfeagacianos ou Itamarenses, ou Sarneyzenses.Alício.

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