terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Bárbaros




....foram os antigos gregos, quando ainda lutavam por Tróia, que usaram pela primeira vez o adjetivo, bárbaro, e foi dirigido aos cários, da Cárita, atual Turquia. A liga do exército grego, mesmo tendo uma profunda aversão a esse povo que produzia sons estranhos com a boca, pediu sua ajuda para o resgate de Helena - sim, para os gregos os sons que saiam da boca dos cários eram grunhidos canhestros, logo, bárbaros. Diga-se de passagem, foi a intransponibilidade das muralhas de Tróia que forçaram os gregos a dizerem, sim, às espadas que os cários ostentavam; mas ao 'idioma cário' e à cultura que representavam, tinham aversão; eram-lhes inferiores. Queriam longe aquela barbarofonia. Helena libertada, que os bárbaros voltassem ao seu chiqueiro.

A nossa língua brasileira se distanciou da lusofonia de nossa língua-mãe. Distante das caravelas portuguesas e do ritmo dos poemas de Camões e Pessoa, alguns menos avisados perguntam se não é possível traduzir Saramago para o brasileiro.


Ao fugirmos da lusofonia(aculturação ou incapacidade antropofágica), não caímos nos braços dos nossos bárbaros nordestinos, gaúchos ou caipiras, - que produzem uma bela musicalidade fonética, ao contrário dos cários, mas não menos bizarras na interpretação do 'sotaque oficial' do Brasil. Em épocas eleitorais, dizem que a cidade de São Paulo é a mais nordestina das cidades, mas não é. Não se fala nordestino nas rádios, nos jornais televisados, nas salas de aula, - na música, às vezes, aceita-se o sotaque, mas só depois dos corpos suados e do álcool no sangue, em plena epifania do forró nos embalos de sábado à noite. Ao contrário dos gregos, a elite paulistana necessita dos nordestinos para levantar muralhas de arranha-céus e prender Helena, hoje mais conhecida como especulação.

O sotaque nordestino é um gueto, calangos e cabras e carcarás proliferam o nordestinês; me parece uma cultura viva e sanguínea, mas marginalizada, atingindo o seu máximo quando adjetivada como exótica. Já o sul, com sotaque de origem italiana e alemã, mais a pitada hispânica e equina( sem o cavalo o gaúcho não é gaúcho), tende ao separatismo e à conservação de raízes ítalo-germânicas fascistizadas; e além do que, não menos bárbaros, com bolsos cheios e analfabetismo num crescendo, segundo IBGE, os sulistas mostram que a evolução da cultura não depende exclusivamente do poder aquisitivo; mas o poder aquisitivo gera preconceito e estagnação cultural, reafirmando nossa condição de fruto da exploração de tempos coloniais. O sudeste, em metamorfose, tem como objetivo ser o clone bastardo do Arizona. Ridiculamente reacionário, São Paulo é o covil da tucanagem e da convivência pacífica com as práticas homofóbicas.


Nossos compositores e cantores, em moto-perpetum, encaixam palavras nas melodias da música pop de fórmulas prontas, como se nosso idioma fosse o inglês. Buscam uma saxonização de nossa língua, (querem ser vistos na MTV), são máquinas de forjar distorções nas sílabas tônicas. Estão '(des)proparoxitando' as palavras, num mergulho vertiginoso ao monossílabo que ostentas estrelados na bandeira do Tio Sam. - Compare Tio Sam com Zé Carioca. Quantas sílabas nos separam e quanto preconceito edificado? 'Venha a nós o vosso reino e nos faça 'ameringleses', na linguagem da globalização'.


Precisamos ser bárbaros para destruir o império, eu nunca deixo de pensar nisso, mas quanto mais falarmos com identidade brasileira, - a maneira como se fala é a maneira como se pensa - mais rápido corroeremos o granito de Wall Street.

Nenhum comentário:

Postar um comentário