Quando chegou a primeira semana de janeiro, meu telefone completou mais de um mês mergulhado num silêncio total; nem aquela chiadeira esperançosa era possível de se ouvir. No começo foi bom, fiquei longe dos telefonemas inúteis que compõem a decoração da ‘civilização’: propagandas, agradecimentos de políticos eleitos, cobranças de coisas que não comprei, recados sem sentido e ad infinitum. Já estava até acostumado com aquele silêncio, quando de repente, tocou. Atendi:
— Alô.
— E aí, garoto, tudo certo? — Ninguém me chama de garoto hoje em dia.
— Quem é?
— Ora, o velho Charles Bukowski.
— O escritor?
— Quem mais tem esse nome?
Fiquei imbecilizado, mas do que já sou; era um escritor de proporções titânicas. Depois a ficha caiu:
— Ei, mas Charles Bukowski já morreu e faz tempo. É caô!!
— Garoto, você não sabe que quando os telefones estão mudos, ocorre uma conexão com o limbo?
— Como é?
Ele me explicou que quando as empresas de telefonia se atrapalhavam, a ponto de deixar centenas de telefones mudos, por ineficiência ou qualquer outro motivo, vários deles se conectavam com o limbo. Ele não sabia se era magia ou tecnologia, o fato é que estava ligando pra mim de um bar do limbo. Fiquei estarrecido, cheguei a pensar em quem pagaria aquela ligação, mas era Charles Bukowski e eu tinha que atendê-lo.
— Não se preocupe, garoto, é por conta do limbo.
— Quem bom, cara. Mas diz aí, como é o limbo?
— Um céu em eterna meia luz, uma lama de refrigerante até a canela, Zorra Total a toda hora na TV, ou Jornal Nacional e no rádio, funk/breganejo e Lady Gaga.
— Pô, é o inferno!
— O inferno tem tudo isso mais Amy Winehouse e palestras do Fernando Henrique Cardoso na TV e rádio.
Imaginei que como seria horrível viver num mundo desses. Pobre Charles Bukowski, havia escrito os melhores livros sobre a América esquecida e agora tinha que suportar isso tudo.
— Cara, como você está sobrevivendo, quero dizer, dia a dia?
— Fico jogando palito com 50% dos Beatles; eles não são de todo ruins, melhor quando não cantam.
— Não entendi, explica aí?
— Com os Beatles em silêncio e o jogo de palito em andamento, a garçonete, uma antiga fã minha, nos serve petiscos e umas geladas. Da reserva particular do dono do bar. No limbo não se pode fumar nos bares, nem se vende bebida.
— Ué! Então pra que o bar?
— Só água benta, remédios e banco imobiliário.
— Você é um cara de sorte, porque escreveu com sinceridade, mesmo no limbo, encontrou o seu espaço.
— Bom garoto, agora que começou a babação de ovo, melhor desligar. Adeus.
— Espere, foi mal...
Já era tarde, talvez nunca mais voltasse a falar com ele, apesar da empresa de telefonia estar sempre pronta para dar uma força, em se tratando de comunicação com o limbo. Então o telefone tocou de novo e veio aquela voz de assaltante:
— Senhor, é da empresa de cartões de crédito...
— EU SABIA! EU SABIA! Por causa de tanta sacanagem também foram parar no limbo; viu, há justiça no mundo, tão se ferrando no limbo!!
— ...senhor, não estou entendendo... — Antes que ela terminasse, desliguei. Porém, tocou de novo:
— Alô!! — Era minha mãe, que não estava no limbo, e queria saber se estava tudo bem e coisas mais. Antes de desligar, disse:
— ...que bom que o telefone voltou ao normal. — Eu disse que sim, mas ficou claro o meu furo com a empresa de cartões de crédito.
Para encerrar o dia, o técnico da empresa telefônica bateu à porta, disse que vinha por solicitação minha. Eu disse que o telefone já havia voltado ao normal, mas ele insistiu em conferir. Pois a escada no poste, subiu, ouviu a linha, fez uns ajustes e disse que estava tudo bem; me fez assinar o papel e se foi. Voltei pra dentro de casa e conferi a linha. Tudo ok, agora estava sem internet.
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