terça-feira, 25 de janeiro de 2011

‘Espírito’ cético


Eu sou naturalmente cético. Sempre fui. Quando alguém me diz que viu um OVNI, imediatamente penso no nome da cachaça que foi ingerida e qual a quantidade. Aos fantasmas vistos em noites de trovões, eu associo ao consumo de alucinógenos. Já as vozes misteriosas me lembram esquizofrenia. Sócrates, filósofo grego antigo, dizia que ouvia constantemente uma voz dentro de sua cabeça. Não fundou religião nenhuma. Pelo contrário, casou-se com a razão e abraçou uma ética de princípios rígidos. Essa voz dentro de nossa cabeça, esse diálogo que fazemos de maneira constante, chama-se dianóia (razão discursiva) e é onde negamos, confirmamos ou testamos idéias e conceitos. Na cultura caipira se dá o nome a essa conversa do eu com o eu de ‘matutar’.
Quando ‘matuto’ em relação à reencarnação, sempre chego ao mesmo resultado: se estamos sempre reencarnado, de onde vem a multiplicação das almas? Deveria ser sempre o mesmo o número da população mundial, porém ocorre uma multiplicação exponencial, já somos 7 bilhões de terráqueos, multiplicamo-nos como os insetos e coelhos. Sem falar que em toda sessão de regressão ao passado imemorial dos indivíduos, os mesmos descobrem, sempre, que já foram Napoleão, Martin Luther King, Carmem Miranda, Leonardo da Vinci ou Airton Senna. Dias atrás me disseram que Neimar, craque do Santos, é a reencarnação de uma bailarina do Axé. Por isso baila ao comemorar os gols que faz.
Na Índia não sei quem disse que as águas do rio Ganges são sagradas. Milhões de pessoas se banham em transe, com bocas abertas, mãos aos céus, e engolem uma água que contém o maior número de coliformes fecais por cm3 do mundo. Não bastasse beber água com cocô, ainda transformaram a vaca num deus. Além disso, os indianos destruíram milhões de hectares de florestas tropicais para cremação de seus mortos, caso contrário, eles transformar-se-iam em vampiros.
No que diz respeito ao espiritismo, às cartas psicografadas, fico pensando nos surdos e mudos que morreram e, acredito, não podem ditar nada; também os espíritos analfabetos: como conseguem ‘escrever’ as cartas através dos guias? Claro que os mais empolgados dirão que é o guia quem as escreve e não o espírito, logo a gramática estaria preservada. Deve ser duro o dia em que um boxeador vier deixar uma mensagem, escrever com aquelas luvas não deve ser fácil, já que os espíritos atormentados mantêm suas obsessões num espaço que não é o céu nem a Terra, segundo o próprio kardecismo.
Com o decorrer do tempo entendi que eu não era o único cético a perambular pelo mundo. Há tempos um aluno me disse que a ascensão de Jesus deveria ser analisada no sentido metafórico ou de maneira totalmente espiritual. Fisicamente seria impossível, pois caso isso tivesse ocorrido, ainda seria possível observá-lo voando na galáxia, já que a redenção teria ocorrido a dois mil anos; logo ainda estaria ao alcance de telescópios e sondas espaciais. Nesse dia não respondi nada a meu aluno, que também disse que não conseguia entender os homens-bombas do islamismo. Acreditar que onze mil virgens estão esperando um herói que cobriu o corpo de explosivos e explodiu a si mesmo para glória maior de Alá é, no mínimo, estupidez. Encerrei com meu aluno, nesse dia, dizendo-lhe que era melhor não discutir religião. Normalmente somos mal interpretados e a conseqüência é o isolamento, e a ampliação de inimizades. E ele me respondeu:
— Então devo ser hipócrita, ignorar a razão que aprendo nas escolas e silenciar perante as ignorâncias?
Procurei a viscosidade dos quiabos para a resposta e disse-lhe que, somos maravilhosos porque criamos literatura e acreditamos que ela é tão real, tão viva, que passamos a praticá-la sem medo. Criadores de textos e criaturas da própria ficção. Por que não amar uma espécie que delira assim, de maneira tão maravilhosa?

6 comentários:

  1. Certamente é você a reencarnação dalgum bailarino para escrever textos tão livres e fluídos como um rio - ou talvez dalgum escritor russo, não saberia dizer. Fato é que não acredito em reencarnações ou em milagres. A não ser o que você cita no final do texto, o de escrever literaturas fantasiosas e passar a acreditar nelas. Como diria Quintana, o verdadeiro milagre está nisso.

    Eu te entendo ao querer 'escapar' do debate sobre religião no meio social. Realmente é algo pernicioso e perigoso mesmo. Logo você é taxado de arrogante, sendo que você só está exercitando ideias e o que te acusa é o que detem a verdade. Mas é um espaço que não podemos ceder mais ao fanáticos e loucos da geração moderna, estes que levam tudo literal e passionalmente.

    Mas há bons religiosos, que tentam fazer sua fé comunicar com os tempos de hoje. Por mais que isso possa ser contraditório nas vistas de um cético-ateu como eu. Mas só de não pregar o ódio e ver o lado positivo e amoroso das escrituras, muitos religiosos já estão ganhando minha admiração. A gente vai amolecendo com o tempo, meu velho.

    Abraços :)

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  2. meu velho, esse pequeno texto foi publicado num pequeno periódoco de minha cidade, Cruzeiro, interior de SP, mais ou menos, com 90 mil habitantes, no ano passado.

    ontem, pra vc ter uma idéia, estava no planejamento em uma escola privada que trabalho, e um colega me disse que ouviu, numa escola pública em que ele trabalha, uma discussão sobre meu texto: diziam: era uma afronta, um deboche ao magnânimo e etc. e pasme: críticas provindas de professores de história, no horário de reunião pedagógica, conhecida como HTPC. por isso postei-o aqui.

    o final é malabarismo literário para fugir do rótulo cético-ateu panfletário, na literatura. senão o leitor conservador, que vamos corroendo lentamente, abandona o texto ou não lê mais, basta ele ver o seu nome. procuro passar uma idéia de cético-ateu-zen. rs. vc apanha mais noscas com mel do que limão. humm!, isso é maquiavel. o cético-ateu deve, ao meu ver, smear amor e tolerância. igual aos Beatles.

    a primeira frase de seu post é de profunda alegria para mim. obrigado. escrever como um russo vale mais que muitos e muitos eleogios e prêmios.

    vc e o A&V,(alexandre) são como irmãos que não tive na genética, mas sim pelas ondas digigtais. é sempre um prazer 'papear' com voces. abraços 'jean-paul dandi'. (vc me lembra sartre); já o alexandre, o camus.

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  3. Escrever igual a um russo!! "Sou invejoso porque amo demais a vida para não ser egoísta... Quero suportar minha lucidez até o fim e contemplar minha morte com toda a exuberância de meu ciúme e de meu horror" Camus.

    Este elogio é matador, não tem como não se envaidecer. Mas não queira ser reencarnação de nada, some, empilhe, junte. Não seja o mesmo, e você não o é, eu sei.

    Ah, velho canis, (estamos mais velho, e eu mais uma ano, hoje), matuto então, Se fôssemos vacas os deuses seriam estátuas de bezerros.

    Não, a religião não nos deve separar, até porque como existencialista que sou, não vale a pena criar separação. O bigodudo rir do que nos torna fracos, separar é fraqueza, e os grandes homens entendem a solidão, são solidão. Mas não perdem o olhar para a multidão, ou rebanho, como queira. Então, que se dane toda religião que monta discórdia, e viva toda ação de união.

    Não que a discórdia não seja necessária, sim, o é. Até natural, como nos ditirambos. O que não dá é aceitar que só há um jeito certo, Canis. eu não creio que haja só um.

    Terminando este dislexo texto, misturo os dois, niet e camus, não há outra coisa maior que a vida, estar vivo é tudo. Rir de alguns e chorar por outros, nos resta.

    Abraço aos dois, ao Dandi e a vc Canis, o lúcido marx).

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  4. eis a era de áquario, rs, vou tomar uma por vc, umas, muitas voltas ao redor do sol para q vc ame mais ainda a vida. às vezes deixamos de ser sísifos, eu sinto, quando uma palavra pega ma veia, quando um gole entra no sangue e a gente triunfa em extase nos acordes dos blues, ou nas sinfonias de vivalde e mahler (deus e o diabo na terra de minha mente). aí, somos prometeus.

    tanks pelo lúcido marx, se bem, que, tal como o nosso novo/velho zizek, procuro ser o 'lúdico groucho marx'.

    não pensamos igual a esses bons e saudáveis semi-deuses; pensamos como eles, em grande parte do trajeto, "na estrada da morte, onde encontramos rosas"; é aproximação por afinidade, e não por doutrinação.

    segue o rumo e vou o album branco do beatles, birthday, em sua homenagem.

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  5. Essa reflexão busca o que tentamos abafar, trancar em um armário para depois (um dia provavelmente sem data)refletir.

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