terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Vida, minha vida...


Não há culpa se as coisas são tristes.

Se o modo com se abre a porta,

se enche o copo d’água e se serve a mesa são tristes.

É porque tudo é dolorosamente feito da mesma forma,

nas engrenagens do dia-a-dia, nos dentes ácidos da monotonia,

na pasmaceira da vida morta.

Não há culpa nisso.

E se não se faz isso tudo, parece que não é vida.

É pouco o que se tem, o que se sobra.

Imersa na carne, no sangue,

os olhos da demência anunciam tristeza:

no som da campainha,

na voz ao fone,

no vidro que transpassa a luz,

no sol em pratos limpos,

na cor do carro ainda não pago.

Tristeza.

Agonia.

Violão desafinado ao melhor fluir da brisa.

Se eu fosse mais forte, como um caís,

cortaria os pulsos em cacos de lâmpadas,

em pontas de vasos,

em fragmentos de espelhos.

E deixaria a nau partir.

Viagem de alívio à imensidão do nada.

2 comentários:

  1. "Viagem de alívio à imensidão do nada."

    E eu que pareço com Camus, já que é alívio a tarefa diária do absurdo!

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  2. é fato, mas foi depois que vi o vídeo que vc postou, aquele imenso planeta, num consumo estonteante de tempo, suas reações químicas, que me lembrei deste poema. um vazio, e aquela voz em lugar nehum, em lusofonia. é vertiginoso, asfixiante e libertário. contradições absurdas só de olhar a geologia do planeta. o que somos nós, meu véio?

    camus tem razão: a lembrança da cerveja depois de um dia de 'cão' rs, do beijo da mulher amada, são essas lembraças que são a vida, o resto é absurdo.

    o andor camusiano é tanto meu quanto seu, estamos condenado a um namoro com o absurdo. ou uma guerra?

    como o barão nas árvores!!!!

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