sábado, 21 de maio de 2011

Amor Fati?

Claude Lévi-Strauss


Manus cracks eucalipithuns

O homem já foi australopitecus, cro-magnon, neanderthal, sapiens e hoje está desembocando no manus-cracks-eucalipithuns. Detalhe: a meu ver, involução. Característica da vestimenta: camisa estampada ou com desenhos incompreensíveis, bermuda colorida, obrigatoriamente em choque com a camisa, — não podem combinar —, corrente grossa sobre a camisa, celular proliferando ruídos atordoantes nas mãos e um dialeto que se assemelha ao barulho de uma máquina de lavar com defeito na correia. Terra de origem: EUA, MTV. Também se dirige às mulheres como se as mesmas fossem do sexo masculino, chamam-lhes de "cara".

Foi num dia de semana, quarta-feira, dia internacional da faxina, que me deparei pela primeira vez com um indivíduo dessa espécie. Eu estava no jardim — nesse dia a casa é toda da faxineira — e deixei o aparelho de som ligado, enquanto molhava as plantas. Ele olhou através da grade de minha casa, arrastava uma menina pelas mãos, e disse:

— Ei! í ki tá rolando í?

Claro, eu não entendi. Parecia liquidificador sem tampa produzindo onomatopéias.

— Não entendi! — Respondi.

— Ê, pô! ki tá rolando ííí?

Continuei na mesma e fui salvo pela menina, ainda com resquícios sapiens:

— Ele que saber que barulho é esse, na sua casa?

— Hã!? É música! Mais precisamente, Chico Buarque.

Ele estranhou eu ter nomeado a música como música. Sacudiu a cabeça negativamente e disse, apontado pro seu celular:

— Ó! Ó! F'ancadão! — Ele aumentou para eu ouvir. Ouvi uma voz horrível berrando palavras que eu nunca imaginei que apareceriam numa música: “EU VÔ COME MELECA! EU VÔ COME MELECA! VEM CACHORRUDA! VEM CACHORRUDA! iiia! iiia! iiia! Brarrrrrrrrrrrr! Tum! Tum! Tum!”

Já ouvi músicas melhores provinda de motores prestes a fundir. Batedeiras também soam melhor do que aquilo. Pra meu alívio ele desligou logo, e deu um sorriso vitorioso, querendo dizer, “ouviu, isso sim é música”.

Nesse instante começou outra música de Chico Buarque, ‘Caros Amigos’, Francis Hime esmerilha o piano, tem uma flauta, os instrumentos de percussão soam alto e a voz do Chico vem tecendo versos tais como, "...sem uma cachaça, ninguém segura esse rojão".

Claramente a harmonia batia-lhe nos ouvidos e caia no chão, pérolas não entram em ouvidos trucidados pelas ‘desarmonias modernas’ e pelas imagens vazias da MTV; nem era preciso ser músico para compor um funkadão. Democracia musical? Dionísio com cera nos ouvidos? Efeito do crack nessa geração? Quem saberá?

O fato é que este novo hominídeo usa sempre o mesmo traje, o que faz toda sua espécie parecer com uma plantação de eucaliptos: estranha, insípida, utilizada para fabricação de papéis de ofícios, e banalmente homogênea.

Claude Levi-Strauss tinha razão, quando disse que havia se tornado num Anarquista de direita. Naquele dia eu entendi isso.

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