(escrita em 2001)
Realmente eu não chegava atrasado na escola. E o motivo era óbvio: futebol. Era o ano de 1978 e o Brasil iria até a Argentina para disputar a copa. Seria dali a dois meses e tínhamos um timaço, com Zico despontando como futuro craque. Tudo mundo queria jogar como Zico, então chegávamos cedo, uns vinte minutos antes da 1ª aula, para exibições no campo das peladas. Não era um jogo propriamente dito, mas sim um improviso qualquer, como cruzamentos sobre a área a tentativas de arremates; ás vezes virava disputa de pênaltis. Quando o sinal batia, era o maior desanimo. É que iria começar a tortura. Se os professores soubessem como é falsa a expressão deles pela manhã, logo na primeira aula, iriam direto para o IML. Era uma coisa maquiada e falsa. Ele(a) ali, na nossa frente, com um avental de tergal esticado sobre a roupa, sorrindo e dizendo que o futuro estava para chegar; precisávamos ser alguém na vida; o tempo não esperava; tudo era moderno; eu deitava a cabeça e dormia. Ficava sonhando com a bola entrando no gol após o meu grande chute. Durante o sonho lembrava que as traves não tinham rede e era horrível marcar um gol sem rede. Tínhamos que fazer um abaixo-assinado e envia-lo ao diretor. Providencias tinham que ser tomadas, um campo com traves sem rede, era um insulto ao talento futebolístico da moçada.
—... por favor, vocês aí no fundo, passem-me essa lista que está correndo a sala.
Sempre recolhiam nossas listas. Eram enviadas ao inspetor de aluno, posteriormente ao coordenador pedagógico e depois à direção; por fim iam para as mãos de nossos pais. Uma verdadeira CPI. Tudo porque a gente queria uma rede nas traves para esticá-la quando fizéssemos gols. Será que ninguém tinha serviço naquela escola? Bom, acho que esse era o serviço deles. A caça de nossas de nossas listas subversivas. Se somássemos o salário deles, podíamos ter uma idéia em quanto os contribuintes eram lesados. E diga-se de passagem, não é exclusividade da escola pública, tal desperdício.
Porém, um dia eu dei razão ao povo do caça lista. A gente pisou na bola. A gente não, o Bolão, sobrinho da Diretora, que não sabia o que se passava ao redor dela, e ao que parece, contaminou o sobrinho com a mesma lerdeza. Foi o seguinte.
Tínhamos chegado bem cedo como sempre fazíamos e a bola rolava tranqüila entre nós. Não sei quem foi o infeliz que achou lá pela ponta esquerda, o couro de uma bola. Só o couro, a bexiga tinha ido para o espaço. Outro ‘infeliz’ que atendia pelo nome de Cézar, encheu a dita cuja com pedaços de tijolos e ela voltou a forma original: redonda. A colocamos na marca do pênalti e continuamos o jogo. Todo mundo sabia que estava cheia de pedras.
Aí entra o Bolão. Veio correndo com seu corpo gigantesco e gritando que era a vez dele. Queria chutar, cabecear, cruzar a bola, sei lá; dizia que era a vez dele. Outro infeliz, que não lembro o nome, gritou para ele, poucos metros antes de sua chegada na área.
—Bate o pênalti!! Rápido!!
Ele bateu. Tenho a clara certeza que doeu e muito. A bola mal rolou uns três metros e ele foi ao chão e ele chorava muito, em meio a grunhidos que a gente entendia como “cambada de filho de uma pu..”, o resto, pode-se imaginar. Resultado, não sobrevivemos ao sinal do término da primeira aula. Fomos suspensos, acho que uns dois dias. Ficar sem jogar bola era fogo.
O pior foi saber que no outro dia, a primeira aula de minha sala fora vaga e a gente perdeu um excepcional rachão. Isso sim, foi um castigo.
Bolão nos perdoou. Provamos para ele que a bola era da turma do colegial. Uma armadilha realmente, mas que ninguém tinha coragem de mexer na bola deles. E se os caras encrencassem? Por isso não mexemos na bola e não tínhamos visto as pedras. Pensávamos que ele já sabia enquanto se encaminhava para ela. Não iria chutar nunca, pois não o víamos como estúpido. Só um estúpido chutaria uma bola daquelas.
—...então tá bom, pessoal! Eu perdôo.
Mas quem não perdoa crianças? Alguém já me disse que é delas o reinos dos céus. Você ainda tem dúvida?
Bela crônica!Zico jogava muito.Mas nessa época 78
ResponderExcluireu, um verdadeiro perna de pau queria jogar era como o Reinaldo do glorioso Galo Mineiro.
Eu lembro de um tempo em q Reinaldo era nobre e mágico, q a pelada era o melhor do dia. Mas ser campeão do mundo em um tempo q ninguém era, NÃO TEM PREÇO.
ResponderExcluir