A felicidade
“A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranqüila, depois de leve oscila, e cai como uma lágrima de amor”. São versos de Vinícius de Morais para melodia de Tom Jobim, parceiria de primeiro mundo de nossa música. Mas o que é a felicidade? Segundo os gregos antigos, um estado de plenitude, satisfação psíquica, equilíbrio físico, sensação de paz consigo mesmo e com o mundo ao seu redor.
“E não é que a alegria do pobre parece a grande ilusão do carnaval”. Trabalha-se o ano inteiro para se dançar com uma fantasia, só que tudo se acaba em cinzas, com ares de tragédia. Na felicidade há o germe da tristeza. Um dia de alegrias será sempre sucedido por uma profunda tristeza.
Foi o que aconteceu com os nossos patrícios no Pinheirinho. A ‘justiça’ de São Paulo antecipou a quarta-feira de Cinzas e um bairro com seis mil pessoas foi pulverizado. Adereços, fantasias, lares, barracões, igrejas, bares foram desmontados. A Acadêmicos do Pinheirinho foi expulsa da liga do Carnaval. Seus integrantes não podem mais habitar, não podem mais cantar, nem criar seus filhos; seus investimentos viraram lixo. E no lixo não há luxo; menos ainda a justiça.
Hades, o deus do inferno, na Mitologia Grega, é aquele que destrói os sonhos e as aspirações dos mortais e sente um prazer profundo diante disso; seu papel é aniquilar a felicidade do homem comum. Na tragédia do desfile encenado no Pinheirinho, esse papel coube ao governador do estado, Geraldo Alckmin, eleito com a finalidade de promover a felicidade geral dos habitantes do Estado de São Paulo. Mas não podemos ser cruéis com o ‘tucanito’, na realidade ele promoveu a felicidade de Naji Nahas, proprietário do terreno ocupado, avaliado em 180 milhões de reais; também os especuladores imobiliários ficaram felizes. 180 milhões é uma mega-sena acumulada; muita gente vai passar a viver dos juros dessa grana.
Assim, não podemos dizer que a ‘Justiça’, o Governador e a PM negligenciaram o propósito que lhes é inerente: o de promover a felicidade da sociedade. Foi o que fizeram. Talvez, hoje, Naji Nahas seja um dos homens mais felizes da face da Terra. Deverá passar o Carnaval de 2012 de maneira bem confortável, regado a tudo do bom e do melhor; a felicidade também está associada a bens materiais. Nahas e a ‘justiça’ de São Paulo que o digam.
No dia em que a TV transmitia a proibição do desfile da Acadêmicos do Pinheirinho, eu cheguei a pensar na possibilidade dos moradores ligaram para o STF em busca de um mandato de segurança, algo que suspendesse a proibição do desfile. Pô, o empresário Daniel Dantas fez isso, quando preso na operação Sathiagraha. Ligou para o Ministro do Supremo, Gilmar Mendes, e conseguiu um Habeas Corpus por telefone. Bons exemplos devem ser seguidos. Faltou organização na Direção de evolução da Acadêmicos do Pinheirinho. Por que não ligaram para o STF?
A eliminação da Acadêmicos do Pinheirinho do Carnaval da vida me deixou triste. Nos dias que seguiram a tragédia, procurei nos canais que normalmente transmitem os sermões de pastores evangélicos, e também nas pregações da Canção Nova, se havia alguma organização pró-Pinheirinho. Explico: é que esses grupos pregam com tanto fervor o amor ao próximo, recebem tantas doações, e às vezes recebem até terrenos. Então pensei: “quem sabe nossos irmãos do Pinheirinho não possam ganhar, dessas instituições religiosas tão bondosas, outra passarela para desfilar e continuar a vida?” Ledo e Ivo engano: nem uma palavra; nem um gesto de carinho.
Pior foi constatar que Zeus, do alto do Olímpo, — papel interpretado por Dilma Roussef —, lavou as mãos igual a Pôncio Pilatos no julgamento de Cristo. Zeus, quer dizer, Dilma, como um avestruz, colocou a cabeça num buraco e deixou que a realidade fosse administrada pelo cruel Hades, no caso, Alckmin.
E assim, em meio a deuses e demônios, me lembrei de Jean Paul-Sartre, que dizia: “...e a Humanidade só será feliz e livre, depois que tiver coragem o suficiente para matar os deuses”.