sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Alma vagabunda



Só ‘vai pro céu’ quem for capaz de viver em paz consigo mesmo. Aquele capaz de olhar a mudança lenta e constante das estações. Quantos pássaros freqüentam a árvore de seu quintal? Saber isso é um pré-requisito imprescindível para se alcançar o paraíso. Há outras coisas que precisamos aprender para encontrar a paz: quantas ondas batem diariamente nas areias das praias de Ubatuba?  Ou ainda, sentir o cheiro da chuva, que é terra molhada, um momento antes de saborear um gole de vinho português.
O caminho mais longo para o céu é através das Instituições religiosas, que são apaixonadas pelo sofrimento. Teólogos, by Paraguai, dizem de boca cheia que o termo, Religião, vem do latim e quer dizer religare. Ou seja, se re-ligar a algo do qual você já fez parte. Todos, dessa forma, têm um desejo ‘inconsciente’ de retornar pro lugar de origem. Mas do que adianta voltar ao seio da luz com a alma atormentada pelas urgências da vida banal e patética que vivemos? Esse papo de encontrar o ser perfeito, puro e eterno, é caô. Como alguém que ainda não se encontrou consigo mesmo, e nem com os que lhe estão próximos, vai alcançar a perfeição? Parece pura pretensão da bolha de sabão que deseja ser águia.
Quando se pratica ‘o fazer nada o dia inteiro’, nos deparamos com alguém que tem a alma vagabunda. Somente aqueles que gostam suficientemente de si mesmos podem ficar à toa. E não significa que são uns à-toa. Quando passam a gostar de si mesmos, conseqüentemente, se apaixonam pelos outros. Tudo fica mais fácil: se enamorar, partilhar pequenas delícias, cultivar leves indecências, amar palavras secretas, usurpar partes de poemas para se roubar beijos, possuir pedaços de outras almas e finalmente, tornar-se um polígamo virtual.
Vinícius de Morais era um polígamo real. Amava a música, as mulheres, o uísque, a banheira em que compunha canções, as amizades —, que em nossas vidas são como as monções de inverno e verão — e, acima de tudo, amava ficar à toa, olhando pro mar e tentando fugir o máximo possível da morte. A felicidade de poder encontrar a si mesmo, pelos caminhos da vida, desperta um profundo anseio de viver pra sempre.
Somos muitos dentro de uma casca perecível. ‘Legiões’ representando papéis teatrais escritos por mãos nem sempre generosas. Culpamos o destino quando a tragédia nos envolve em situações asfixiantes. Mas é só falta de coragem de expulsar, de dentro de nós, esse espectro de personalidades que nos torna ‘um Legião’. O fascista, o advogado, o capitalista, o religioso, o mestre, o comerciante, o vaidoso, o atleta, o faxineiro, todos eles, sem exceção, devem ser expulsos de nós. Que sejam abismados nas nuvens e se tornem chuva sobre o sertão.
Quem deve sobrar? Você deve estar perguntando. Não sei, se desse a resposta, assim, sem pensar ou sentir, não seria autêntico, mas algo fabricado por mim para parecer verdadeiro aos seus olhos. Quando estou a fazer nada, penso em Saramago e nos palhaços. Devo expulsá-los de mim? Para me encontrar comigo mesmo tenho que ser justo e imparcial para a expulsão de todos que compõem minha alma. Mas como suportar a ausência de palhaços nos salões de bailes? Com quem irei conversar, quando Saramago deixar de ser parte de mim? Que palavras irei usar para explicar o mundo a partir de então?  Mas pra que explicar o mundo? 
Só sei que nada quero saber, — bem diferente da mentira dita por Sócrates para parecer humilde e disfarçar sua sagaz e vaidosa inteligência. Voltando ao tema: vou publicar um decreto: as portas de minha mente estão abertas, que todos partam em paz. Você não pode ver, mas assim que decretei isso, enquanto escrevia essas pobres palavras, apareceu diante de mim uma ‘escada para o céu’. Tudo bem, você não pode vê-la, então ouça. É a quarta música do quarto LP do Led Zeppelin. 

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