segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O 'Diabolus Citation'



Citation, no latim, quer dizer citação. É um demônio do mundo acadêmico que vive a assombrar os calouros do conhecimento. A finalidade de sua obra é espalhar as trevas entre seus alunos. Mais fácil explicar seu ‘ofício didático-pedagógico’ usando um exemplo oposto da mitologia grega. Prometeu, filho de Jápeto, um Titã, havia criado a humanidade misturando o barro da Terra às suas lágrimas. Atena, deusa do Olímpo, deu a essas pobres criaturas a alma. Mas é fato que a humanidade criada por Prometeu vivia nas trevas e em profunda ignorância. Eram seres abissais.
Prometeu, como todo bom criador, sentiu compaixão por suas criaturas e percebeu que elas poderiam ser melhores do que eram. Por isso roubou o fogo de Zeus e o entregou aos Homens. O fogo correspondia à razão, à fagulha do pensamento que possibilitou ao Homem entender mais e mais sua condição existencial, em contrapartida ao privilégio da ‘eternidade’ dos deuses. As diferenças entre o Homem e o inseto, sem a visão racional, ‘seriam praticamente imperceptíveis’.  
Com a posse do fogo da razão, os homens exilaram, lentamente, os deuses nos labirintos da literatura, e se apossaram do mundo físico. Por mais que Poseidon, na Odisséia, desejasse castigar Odissius (Ulisses), para que este entendesse que o Homem não era nada sem os deuses, a humanidade encontrou forças para seguir em frente em sua jornada evolutiva. Enquanto que os deuses jamais conseguiram interromper sua contínua trajetória descendente às páginas das ficções. O gesto de Prometeu fez um estrago permanente no domínio dos deuses sobre a mente humana.
Mas os deuses, em contínuo silêncio, nunca desistiram de sua vingança. Soltaram dos calabouços da mediocridade o demônio Citation, imbuído da fervorosa missão de abismar, novamente, a Humanidade na lama das trevas. Para isso Citation se multiplicou e hoje habita os centros acadêmicos do mundo pós-moderno ocidental. Numa aula sobre a cultura celta, num exemplo, Citation solta sua névoa intoxicante à base de citações, e é capaz de citar o penteado de Einstein, a tabela periódica de química, os afluentes da margem esquerda do rio Amazonas, a teoria do Big-bang, a importância do direito canônico, as diferenças entre a 1ª e 2ª edição de um livro de poesia de Castro Alves e por fim... do que era mesmo aula? Isso perde importância, a platéia já se desconectou do mundo e já não sabe mais porque veio até àquela aula para ouvir algo que lhe deveria ser importante. Eis as trevas.   
Citation trabalha no sentido contrário ao de Prometeu. Se este deseja tirar a humanidade das trevas com a luz da razão, que estimula a crítica, o sentido prático e teórico do saber, além do próprio papel do conhecimento no mundo, o outro, de maneira diabólica, quer criar um mundo paralelo, um simulacro da sabedoria diante dos olhos de suas vítimas. Entre o significado do mundo e do Homem, Citation cria uma miragem, uma Disneylândia à base de conceitos terceirizados.
E quando percebe a expressão de assombro de seus ouvintes, — que nunca ‘entendem’ nada de nada — Citation tem um orgasmo, um gozo tecnocrático, pois percebe que está diante da germinação das trevas; é seu momento de glória, sua vitória particular sobre Prometeu, que beneficiou a humanidade com a luz da razão. Basta uma aula do Citation para se perceber a morte da razão.
Mas não fique triste se, após ler essas parcas linhas, você descobriu que está sob o domínio de um Citation, num pleno velório da racionalidade. Há um grande remédio contra esse mal: Voltaire nele! E não se preocupe, não há contra indicação para utilização do cinismo do mestre iluminista.
Caso Voltaire não seja forte o suficiente para abismar o ‘Baal Citation’ pra fora do corpo que não lhe pertence, não tenha uma crise de nervos. Nietzsche dissolve qualquer idiotice moderna e pós-moderna. A luz que emana de Zaratrusta é provinda diretamente de Prometeu, e é forte o suficiente para espantar os deuses e seus feitiços menores espalhados pelo caminho. Numa mente sem uma gota de metafísica, Citation é menos que papel usado. Não há razão para ter medo, as trevas nunca vencerão a luz da razão e de sua crítica. Ave, Prometeu! (sim, porque voa alto).                                               

                  

3 comentários:

  1. Por vezes, acordo com a impressão que Lacan está certo, a religião venceu, e sua obra última o capitalismo calvinista chauvinista, do arrogantes abençoados.

    Mas Habemus Nietzsche!

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