quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Por que agimos sobre o mundo?



Robert Frost, um poeta americano, escreveu um dos mais belos poemas do Ocidente, a Estrada não trilhada.  Quando se viu diante de dois caminhos, o poeta escolheu o menos usado, aquele que ainda estava coberto de folhas secas e praticamente não era sinalizado. Essa escolha, menos usual, diz ele ao final, fez toda diferença em sua vida.
Uma bela metáfora para se explicar o sentido de nossas vidas, que diz respeito às nossas escolhas. O princípio da mediocridade está relacionado diretamente com as escolhas óbvias, os discursos prontos, e a profunda ‘especialização’ de se copiar e reproduzir aquilo que já existe.
Se olharmos pela ótica de Frost, perceberemos que o mundo acadêmico pós-moderno, mais perdido do que cego em tiroteio, tem como objetivo o estímulo aos caminhos usuais para a ‘lapidação’ do ser e sua suposta evolução, pois é assim que construímos um mundo melhor. Diga-se de passagem, um mundo saturado de caminhos prontos para o consumo.
É como se dissemos, uns aos outros, através de várias bibliografias: “não seja criativo, alguém já pensou por você e escreveu aqui, nessa página, nesse livro”. Conseqüência: o conhecimento passa a ser simplesmente a citação do que um autor escreveu. Eis uma escolha segura, um caminho usual, já bem trilhado e com profundas marcas de cascos sobre a terra.
Manuel de Barros, considerado por muitos o maior poeta brasileiro vivo, disse que quando recebe publicações de teses de mestrados sobre ele e sua obra, ao se debruçar numa leitura, passa a conhecer aspectos que até então desconhecia sobre si mesmo. Com a profusão de teses e artigos, o caminho mais usual para se conhecer Manoel de Barros é aquele em que nem ele mesmo se enxerga, mas que será a ‘verdade’ acadêmica sobre ele. Melhor escolher um caminho coberto de folhas, e ainda por se fazer: a leitura do que o poeta escreveu com os próprios punhos.
“...e se fôssemos todos cegos?” Perguntou a si mesmo, nosso mestre maior, José Saramago, quando começou a escrever o Ensaio sobre a Cegueira. Faço aqui um pequeno deslumbre de visão própria: a escrita de Saramago é tão niilista, tão reveladora da hipocrisia humana, que não nos cabe outra escolha senão a de amarmo-nos uns aos outros. Há um fio de esperança em toda aquela escrita desprovida de fé na humanidade. À remoção do veneno atuante sobre o corpo social, — depois de tantas palavras escritas e acusações ácidas feitas pelo mestre —, entenderemos, finalmente, que o Homem sempre quis ser bom. Foi a maneira como escolheu para agir sobre o Mundo que o tornou um ser abjeto e medíocre.
Além de cegos, abjetos e papagaios, somos todos feitos de Carbono.  E o Carbono é pra isso mesmo: passar pra outro o que lhe riscaram na pele. Ou seja: alcançamos o nível das notas fiscais de três vias, em termos de filosofia, literatura, música e derivados. — Abra os olhos e poderemos ir muito além do sentido ontológico de uma nota fiscal. Eu creio nisso.  
Bem, se você não entendeu a crônica, paciência. Fique apenas com a dúvida: agimos sobre o mundo para construí-lo, ou para crescermos como seres supostamente pensantes? Abraços, att., Sávio. 

2 comentários:

  1. Poemas de Robert Frost



    A ESTRADA NÃO TRILHADA

    Num bosque, em pleno outono, a estrada bifurcou-se,
    mas, sendo um só, só um caminho eu tomaria.
    Assim, por longo tempo eu ali me detive,
    e um deles observei até um longe declive
    no qual, dobrando, desaparecia...

    Porém tomei o outro, igualmente viável,
    e tendo mesmo um atrativo especial,
    pois mais ramos possuía e talvez mais capim,
    embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
    os tivesse marcado por igual.

    E ambos, nessa manhã, jaziam recobertos
    de folhas que nenhum pisar enegrecera.
    O primeiro deixei, oh, para um outro dia!
    E, intuindo que um caminho outro caminho gera,
    duvidei se algum dia eu voltaria.

    Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
    nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa:
    a estrada divergiu naquele bosque – e eu
    segui pela que mais ínvia me pareceu,
    e foi o que fez toda a diferença.

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  2. "A humanidade não é capaz de aceitar o estranho. Ela não é vasta o bastante para absorver o novo, o desconhecido, aquilo que ainda não foi experienciado. Ela se torna irritada, ela se incomoda. Ela quer destruir os seus olhos, porque ela é cega e seus olhos fazem-na lembrar de sua cegueira." Osho, em "Light on the Path" ou para o português "Luz no Caminho"...
    Roberta.

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