sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A estrela guia



E eis que o anjo pousou os pés no chão, na fronteira de três reinos abandonados. Encontrou três homens ensimesmados, cada um exercendo sua função mecanicamente. Um assentava tijolos, outro cortava madeira e o último pastoreava cabras.
Diante do anjo, os três receberam as ordens em silêncio. Tinham que atravessar o vale na direção à estrela no horizonte, que apareceu assim que o anjo levantou o dedo e indicou a direção. Lá nasceria uma criança que deveria ser presenteada.
Os homens se arrumaram, vestiram sua melhor roupa, prepararam os animais e abasteceram os alforjes de trigo, sal e roupas. Despediram-se dos familiares. Teriam que atravessar uma imensa cidade para chegar até o ponto indicado pela estrela. Um deserto às avessas, repleto de fariseus, ganância, vaidade e desperdícios.
O primeiro grupo de homens que encontraram, gritava ensandecido, com os braços erguidos, diziam que oravam em línguas e recolhiam dinheiro da platéia embasbacada que, por medo do inferno, doava de maneira compulsiva, sem o mínimo de reflexão. Os três viajantes, ali, não receberam atenção alguma.
Mais à frente, outro grupo de homens, em terno e gravata, gritava contra o Diabo e espancavam um homem no meio da rua. Usavam as Bíblias impressas como pedras. O corpo do homem, que fora acusado de se deitar com outro homem, sangrava e a alma era ferida pelo aço das palavras daquela gente que julgava sem a menor compaixão.
Também ali não foram ouvidos os três caminhantes, seguiram em frente e se deparam com dois grupos que habitavam a mesma praça. O primeiro se dizia possuidor da informação e sabia tudo sobre ela e ainda mais, que a liberdade do mundo dependia deles, proprietários da verdade; o segundo se auto-proclamava responsável pela produção do conhecimento e, com microscópios e tablets em mãos, propagavam que poderiam resolver tudo no mundo.
Porém, a maior provação dos viajantes foi diante dos homens que diziam poder administrar tudo aquilo. Tinham na mente as teorias corretas para sanar o caos da realidade, bastava pra isso que se votasse neles e em seus partidos. Eram profissionais que se reelegiam constantemente. Uma façanha sem precedentes o fato de serem sempre os mesmos, amigos e inimigos, a se revezarem no poder.
Melchior, Baltazhar e Gaspar fugiram o mais rápido que puderam da ação daqueles homens partidários, mas não dos males daquela cidade. Viram-se diante da última ‘instituição’ daquele lugar, o chamado templo da justiça. Mas em poucos minutos de observação, onde repórteres se aglomeravam à porta, sob a estátua da Justiça, e anunciavam que dali sairia o novo Messias, negro como ébano, a verdade por debaixo das aparências veio à tona: os juízes atravessam a rua e consultavam, primeiramente, os banqueiros e empresários antes de qualquer veredicto.
Finalmente, fora da cidade, os três puderam respirar aliviados. Olharam-se e parecia que haviam envelhecido anos e anos. Depararam-se com a estrela pairando sobre um estábulo. Aproximaram-se e viram duas mulheres cuidando de uma criança; logo entenderam que as duas o haviam encontrado sozinho, abandonado.
Sentiram no coração que era àquela criança que deveriam entregar os presentes. Assim que o fizeram, descobriram que as duas mulheres se amavam e de mãos dadas, acariciavam o bebê que sorria em pureza. Assustados com a idéia de duas mulheres tão lindas se amarem, em mantos vermelhos e azuis, duvidaram que as duas poderiam criar a criança com dignidade. Mas em seguida lembraram-se do trajeto que fizeram, das atrocidades que viram e da sujeira que amalgamava o tecido social e se envergonharam pelo preconceito. Ajoelharam-se e agradeceram o dom da vida. O anjo apareceu num clarão de luz e olhou para todos os leitores dessa crônica e disse:
— Infeliz daquele que troca o amor pela hipocrisia.                

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