quinta-feira, 27 de março de 2014

Animais, deuses e trapaceiros


Somos insignificantes. Não sabemos o que se passa na mente de um simples cachorro, de um grilo, de um vaga-lume, menos ainda o que as formigas pensam. Nossos próprios pensamentos nos são desconhecidos. Quem é aquele que eu vejo diante do espelho e que envelhece sem minha permissão, dia a dia? Quem são esses que formam minha família? Quem são os estranhos que nunca conversaram comigo?
Desconhecemos o interior de um computador, seus desejos e mecanismos e sua capacidade de processar. Apenas vislumbramos em sua tela, os códigos que ele permite que olhemos. Das entranhas de um automóvel, pouco sabemos sobre sua dinâmica. A relação de alteridade que cada peça tem com a outra, para que o movimento se dê, livre sobre o asfalto, enquanto rola Pink Floyd no CD, nos é um mistério. - Mesmo desconhecendo o mecanismo do automotor, meu pensamento pode ir longe, divagar muito além do ‘deus me livre’, enquanto descanso minha carcaça no confortável banco reclinável e olho a paisagem a zunir.
Quando olhamos uma estante de livros, quantos deles desconhecemos profundamente e nunca, sequer, lhes tocaremos o dorso. E ainda mais: os horizontes dentro de suas páginas serão sempre uma luminosidade que manter-se-á distante de nossas mentes, destinadas ao calabouço das trevas que edificamos com a nossa ideia que sabemos de tudo e o pior, de que temos opinião formada por bases sólidas. Somos seres abissais, mergulhados na própria percepção binária, ‘criadores’ de verdades universais impositivas, por vezes, fascistas.
Não sabemos o que existe além do Sistema Solar e fora especulações e fotografias turvas, estamos abandonados no que achamos ser o infinito. Olhamos pra Lua e não sabemos muito sobre esse satélite; o mar diante de nossos olhos, habitado por seres que nunca, jamais, possivelmente, venhamos a conhecer, é ainda um grande amigo desconhecido.
Mas há quem diga que conhece os mistérios do mundo só porque lê mil páginas à noite. Há ainda outros que afirmam, categoricamente, que conhecem a verdade e dela são fiéis procuradores, e podem, assim, vendê-la, otimizá-la, transformá-la num estandarte de símbolos e teorias fabricadas. No fundo isso tudo é só a corrupção da fantasia humana.   
Porém, os piores homens são os picaretas que aparecem na televisão, católicos e evangélicos, e que berram sobre o quê se passa na cabeça de Deus, diante de uma massa anestesiada, que ouve impassível sobre o desfile do ‘pensamento’ de Deus finalmente ‘traduzido’. Como é que esses caras sabem o que se passa na cabeça de Deus? Simplesmente porque leram um livro, escrito por outros homens, há mais de 3.000(?) Ou só porque sabem ‘tudo’ da mitologia judaica, logo conhecem Deus intimamente (?)
Como diria o poeta, tudo isso é um grande caô. Mostrar-se absolutamente confiante ao discursar sobre o que se passa na cabeça de Deus, torna o produto mais confiável, assim ele vende bem, e muito. E a consequência disso e o enriquecimento dos fariseus, em batina e/ou terno e gravata, para saborear as delícias da boa e velha materialidade do mundo. Conforto material adquirido com ganância e estelionato teológico. 
Daqui alguns dias, Jesus será crucificado novamente. Claro, em termos simbólicos. Vai pra cruz somente com uma túnica, sem nenhum tostão no bolso e sem ter construído nenhum templo que viesse a extorquir dinheiro de seus fiéis. Mal ele sabia que, nesses 2000 anos, seria ‘seguido’ por uma horda de sepulcros caiados que usaria sua imagem para alcançar poder e riqueza. Apesar de ter o coração cheio de amor, ele não tinha ideia do que fazia. 

3 comentários:

  1. Caro mestre...
    Talvez, o que nos falta... é de um socorro das estrelas... de uma espécie mais evoluída... para nos devolver o "encantamento", o modelo de homem que aí desfila, parece-me que foi um um protótipo que não deu certo.Abraços na alma.

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  2. grande ary, grato pelo diálogo. e vc tem razão, precisamos de outro molde...abraços

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