Bertrand
Russel declarou que despertou para a vida aos 12 anos, quando disse pra si
mesmo, “eu sou eu!”. Após dizer essa frase, sentiu como quem havia saído de uma
névoa. Imediatamente, questionou consigo mesmo sobre o que ele teria sido antes
de se entender como indivíduo. A primeira caverna de um homem é sua mente, sua
consciência, que começo a compreender, não pode ser abandonada assim, sem mais
nem menos.
Todos
nós temos essa mesma visão, esse insight. O meu foi quando eu tinha 4 anos.
Olhei os dedos esticados diante de mim e disse também, “eu sou eu!”. Só que não
pensei de onde tinha vindo, mas sim pra aonde iria dar aquela existência à
minha frente. A primeira sensação que tive, ao me descobrir, foi a de
felicidade. Santa inocência.
Segundo
Jung, há uma força no cosmo, algo energético que se manifesta em nós através
dos arquétipos. Ele chamou a isso de Inconsciente
Coletivo, essa vasta memória imemorial que nos faz comportarmo-nos, de repente,
como se sempre soubéssemos o que é ser um pai, uma mãe, um artista, um
feiticeiro, um mártir, um herói, um vagal, uma bruxa. Somos o canal por onde
essa força inconsciente e coletiva vem ao mundo, e nossa consciência é quem
pode domá-la. Quando ela é forte por demais, o indivíduo conhece a loucura.
Cristo
pode ser entendido como alguém que foi possuído pelo arquétipo do mártir, e num profundo amor universal, não viu outra saída senão
destruir-se para que, em partículas atômicas, possibilitasse a continuidade de seu
amor em cada um daquele que viesse a se encantar por sua história. Em outros termos: foi
o Avatar do amor universal. Ghandi, Martin Luther King, Buda foram também, a
seu modo, Avatares desse mesmo amor universal.
Pensando
coisas do tipo, me veio à cabeça a ideia de um DNA à base de ruínas, um solo
onde várias outras ‘civilizações’ se edificaram. Quando digo civilizações, me
refiro, poeticamente, aos outros animais, nossos ancestrais, que nos legaram o
ácido ribonucleico, abarrotado de um inconsciente coletivo visceral e selvagem.
- O primeiro unicelular não disse “eu sou eu!”, simplesmente existiu, fruto de
um choque elétrico entre os gases primordiais. Por sua vez, o primeiro primata
bateu no peito e deve ter sentido que aquele mundo seria dele. Já se passaram
50 mil anos de domínio do Homo Sapiens sobre a Terra e ele ainda não conseguiu entender
que veio do barro, do pó, da água; que foi ‘levantado do chão’.
Mas
não quero divagar sobre a origem da vida de maneira aristotélica, através das
especulações de um motor imóvel e primordial. Me situarei numa manhã mais ‘próxima’
de nós, ocorrida a 125 milhões de anos, quando o ancestral único dos mamíferos
surgiu, nos escombros do Jurássico. Esse marsupial se dividiu em vários grupos
e subgrupos e quanto mais se dividia, mais variações criava do verbo existir.
Da multiplicidade se fez a luz.
Farley
Mowat, um escritor canadense, em seu livro, Uma Baleia Para Matar, fez uma bela
comparação entre o ancestral único dos primatas e dos cetáceos. Os dois, que
vieram de um único marsupial, caminharam juntos sobre a Terra. Mas o ancestral
dos cetáceos, talvez ouvindo o chamado primordial da água, retornou para o mar.
Esse sim, se ‘re-ligou’ à sua fonte original.
Já
o ancestral dos primatas se jogou no mundo, ouvindo o chamado do que era novo e,
bem provável, tomado por um sentimento de posse, de controle sobre as forças naturais,
moldou o mundo à sua vontade, logo um criador, também, de patologias. A diferença
entre o Homem e os Cetáceos, sobretudo com as Baleias, é que esse último é tomado
por uma compaixão, por uma incapacidade de vingar-se e causar violência gratuita,
enquanto o outro, bípede e de cérebro avantajado, é senhor de guerras,
ganâncias, hipocrisias e de descompasso consigo mesmo.
O
canto triste das baleias sempre me impressionou. Impregnado de uma profunda
saudade, tão antiga quanto o tempo, clama, ao Homem, acredito, que retorne ao
mar e que definitivamente se esqueça dessa história de domínio. Se pudéssemos
decodificar o canto, talvez viéssemos entender a mensagem: “...já fui um unicelular, depois um réptil, depois um marsupial, depois
algo parecido com um cão e hoje sou um cetáceo e amanhã, serei só inconsciência.
Vem, eu estou te esperando, um amor intracelular nos liga!”. Se de novo
houver um Cristo no mundo, não com sua memória individual, não no sentido
escatológico, mas no sentido do amor a tudo que o cerca, só poderá se
concretizar, universalmente, num cetáceo. O próximo Avatar de Cristo será uma baleia.
Penso,
mais literariamente do qualquer outra coisa, que o Inconsciente Coletivo é alimentado por nossas consciências
individuais e vice-versa. Um introjeta o desejo do outro e o remete de volta,
num fluxo constante de ação e reação. E como no universo nada se perde, e por
vezes, tudo desperta, inicia-se a história de vida consciente dos indivíduos
que somos.
O
que era o inconsciente coletivo antes de despertarmos para nossas individualidades?
Uma força estagnada, perdida em repouso no tempo, até que foi acordada pelos
anseios dos seres materiais que iniciaram sua longa jornada evolutiva consigo
mesmos, e passaram a produzir esse substrato que chamamos de pensamento? Desencadeado
o processo de consciência individual, o “eu sou eu!” dito por todos os cantos
da Terra, se torna um mantra da individualidade, que num paradoxo, desencadeia
profundos desejos de ter autoconsciência, na busca de uma consciência maior.
Ou o Inconsciente Coletivo só passou a existir quando a matéria se transmutou nisso que conhecemos e chamamos de Vida?
Ou o Inconsciente Coletivo só passou a existir quando a matéria se transmutou nisso que conhecemos e chamamos de Vida?
Viva o canto triste das baleias...
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