quarta-feira, 2 de julho de 2014

Cronos



Na mitologia grega tudo veio do Caos. De baixo pra cima, da matéria pra luz, da desorganização para a organização. Por isso rumamos à nossa fonte original, o Caos. Sentimos isso em nosso corpo, pois no auge da juventude, tudo é vivo, a força da natureza flui através de nós sem entraves, como se fossemos resistências elétricas; na física são chamados de resistores. Mas o tempo nos desgasta e vamos rumando para uma degeneração lenta e constante. A força da natureza, pelo contrário, continua firme e implacável. Nós, não.
Foi do Caos primordial, segundo os gregos, que nasceram o céu, Urano, e Gaia, a Terra. E da constante cópula entre Gaia e Urano, os primeiros Titãs; entre eles, Cronos. Urano não aceitava os filhos e os devolvia ao fundo da Terra. Gaia, dessa forma, se rebelou contra Urano e pediu a Cronos que castrasse o pai e assim foi feito. Isso explica porque o Céu e a Terra nunca mais se misturaram. Cronos começou seu reinado ao lado de sua irmã, Reia, mas tal qual o pai, tinha medo de perder o trono para os filhos e os devorava. Reia, por sua vez, pediu a Zeus, o filho caçula, que matasse o pai, Cronos, e libertasse seus irmãos de seu ventre. Assim Zeus o fez e, segundo a mitologia grega, reina soberano até os dias de hoje no Olimpo.
Porém, o sangue de Cronos escorreu pelo mundo e por isso o tempo, (Cronos), não cessa seu efeito sobre nós, os pobres mortais. Percebemos isso quando nos relacionamos com os nossos filhos. Como podemos ser bons pais se dedicarmos todo o tempo do mundo a eles e nenhum a nós mesmos? Que tipo de pais seremos se formos desprovidos de ‘tempo’ para nossos próprios sonhos e desejos? Pessoas sem atrativo algum, descartáveis e amargas, ou santos abnegados da própria vida? O contrário disso é o abandono dos filhos, que poderão vir a ser qualquer coisa: de anjos a demônios, a seres brilhantes e/ou opacos.
Já no cristianismo, Jesus obedeceu ao pai. Que pena! Por que não fez como Zeus e mandou o pai às favas e casou-se Madalena? Teria sido muito mais feliz. Nós, aqui embaixo, sempre damos um jeito e vamos tocando a vida. ‘Jesus’ não entendeu que os pais devem ser destruídos, metaforicamente, psicologicamente, pelos filhos. Quando nos tornamos adultos, deveríamos entender que nossos pais são tão cheios de inseguranças, desejos, frustrações e amores mal resolvidos tal como nós o somos. E isso deveria fazer com que fossemos mais tolerantes uns com os outros. Essa é a base do amor universal, entender que os outros passam pelas mesmas provações familiares que nós.
O Pai Eterno é o grande erro de nossa sociedade. É fruto de uma anomalia, que tem como consequência a eterna infantilização dos homens. Querer estar sempre sob a guarda de um Pai eunuco, com barbas brancas, impotente, incapaz de produzir qualquer tipo de arte, é um profundo desejo de não viver, o que Freud chamou de pulsão de morte. Amar a Deus sobre todas as coisas é o mesmo que não se amar e deixar de viver. E lhe digo mais, Cronos pouco se importa se você é católico, evangélico, budista, espírita, ele vai corroendo sua vida sem pedir licença a ninguém. Então, meu amigo, viva! 
Se Deus, ou os deuses, nos amassem mesmo, impediriam as doenças que nos acompanham em nossa jornada sobre a Terra. Teriam nos feito como eles os são: imortais, viris, cheios de arrogância, maldade e talento. O amor eu só encontrei entre os humanos, alguns poucos, o resto são estátuas, mitologia, ou textos. O único deus que (re)conheço é Cronos. Esse sim é real! Basta eu olhar no espelho. Você também pode fazer isso: vide a si mesmo no espelho e então verá a Cronos. Não adianta rezar, ele não ouve.

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