Pode
até parecer repetitivo voltar a esse assunto, mas no outono me sinto
melancolicamente-otimista. Não sei explicar. Saio de carro e vejo as
tonalidades da luz, o asfalto, o verde do pasto, o azul vivo e puro. E acho que
é assim que passo a me perceber como um ser vivente. É palpável a beleza da
condição humana na luminosidade do outono. Parece que caminho pela Califórnia,
pelo litoral do Mediterrâneo, vejo o mar da Grécia, − ‘ah! O mar da Grécia!’, −
e por qualquer lugar que eu vá.
Enquanto
a cerveja descia gelada pela garganta e a paisagem zunia ao meu lado, num belo
passeio de sábado, com o som do carro cuspindo Miles Davis, − sei que o jazz é
o próprio outono – me lembrei da China confucionista-zen-budista. Qual a
relação? Não sei. Acho que nem nunca saberei. Mas não nego o que surge no cérebro
de maneira despudorada, com a benção do coração, numa imagem livre até mesmo de
meu comando neurológico. Quando o cérebro começa a funcionar sozinho, estamos
diante não só é um sinal de liberdade, mas também das portas da loucura, a mais
doce loucura que nos adota como hospedeiro.
Mas
afinal, por que a China, enquanto ouvia Miles Davis numa bela manhã de outono? É
que na China antiga o homem e a natureza andavam próximos, entrelaçados, o
tempo consistia no que a natureza dizia e transformava. Dessa forma, no inverno,
as pessoas se guardavam, ficavam olhando o mundo por detrás das janelas, pelas
frestas. Passavam a maior parte do tempo sob as cobertas, sorrindo, acariciando-se;
quando estavam fora da cama, permaneciam próximos da lareira contando histórias
e tomando caldos. Havia lenha e comida guardadas o suficiente na dispensa para
suportar o inverno; os chineses entendiam que assim deveria ser a vida, porque
viam que pássaros, insetos e outros animais se escondiam no durante o inverno e
esperavam o retorno da primavera para habitar o mundo externo.
Diante
do vislumbre desse modelo de vida milenar e abandonado, atinei que o calendário
que usamos, o tal calendário gregoriano, é um programa de desconexão entre nós
e a natureza. – Claro, a Igreja Católica sobrepôs às datas de festas pagãs
europeias suas próprias comemorações. Depois disso foi o mercado de consumo
quem agiu sorrateiramente. Do carnaval ao natal, passando pelo dia das mães e
dos pais, nossas ‘datas comemorativas’ nos impedem, simplesmente, que haja uma
comunhão entre nosso interior humano e o esplendor da natureza. Deixamos de ser
uma caixa de ressonância que se sente viva ao receber as frequências do mundo. O
diapasão do mundo é de 432 Hz, mas já estamos surdos para ele.
Sim,
o calendário desvia nossas atenções sobre o que nos diz a natureza. Ela tenta
transmitir o que emana do universo todo e deveríamos ecoar juntos, numa milagrosa
reverberação. Mas estamos preocupados com a compra de presentes, com a festa
junina que está por vir e no que devemos fazer para continuarmos a viver como
se não houvesse as mudanças das estações, a própria natureza e o próprio corpo
humano.
O melhor
sol para nossos ossos, o melhor azul para nossos olhos, a melhor temperatura
para nossa pele, tudo isso é despudoradamente permitido no outono. Mas pensamos,
ou pensamos que pensamos, que somos seres lineares e não cíclicos. A ilusão de
que estamos num gráfico cartesiano e que vamos avançando além da natureza
porque vivemos como se não houvesse chuva, sol, vento e animais é a apoteose da
auto-ilusão.
Não
sei se há retorno, mas me sinto um Crusoé em meios aos seres planilhas, aos
seres digitais, de cabeça baixa, olhando o ‘mundo que lhes cabe’ numa telinha
do celular. Que será que há de tão importante nessas ondas digitais que superam
o outono, o silêncio, as horas de se ficar à toa esperando as nuvens e seu
bailar?
Pobre
de quem sabe, de quem se sabe nefelibata, corre o risco de se sentir feliz. Melhor
esquecer! Deixa que eu fico guardando e aguardando as estações. Assim seja!
ah, Omar da Grécia!!!
ResponderExcluireh eh eh eh eh
ResponderExcluircopie de um poeta desconhecido...cheio de fúria...abraços..o cacófato é dele.