Dias desses um amigo me disse que o mundo havia se
tornado explícito por demais: nunca nos xingamos tanto, ao mesmo tempo em que
nos menosprezamos com grande prazer, abraçamos o cinismo e a ironia como partes
essenciais da vida e o sexo nunca foi tão fácil com essa nudez onipresente e
global; além do fenômeno cultural que revela que a distância entre as
narrativas vulgares da música popular − funk, sertanejo e pagodes – e o modo de vida cotidiano, nunca foram tão
próximos. Tudo é uma denotação. Vive-se o que se canta, o que se escreve e o
que se diz. – Sim, o idealismo morreu. Detalhe: nunca fui um idealista, pensei
que era, mas no fundo sempre fui mais um estranho à minha terra do que um
idealista.
Em termos históricos se pode afirmar que, em décadas
passadas do século XX, o essencial estava à margem e a realidade em si não era
a realidade propriamente dita. A verdadeira realidade desejada ainda estava por
vir num advento que causaria a elevação de nossas consciências a patamares
superiores do pensamento e, por consequência, em nosso modo prático de vida. A
subjetividade da arte, o sonho da política, a força da crítica e o conhecimento
científico eram as autoestradas que nos ligavam a uma humanidade mais leve e aprazível
e recheada de amabilidade, pra isso bastava seguir em frente.
Deveras, quero dizer que não eram as guerras ou as
políticas de Estado o que representava a humanidade, mas sim os discos dos
Beatles, os poemas de Pessoa, o cinema de Fellini, o sorriso de Brigitte Bardot. A margem e a boemia resgatavam não só a
juventude da caretice, mas a fazia sonhar com mundos e ‘selfs’ melhores. Essa construção, ou autoconstrução, eram
feitas num sentido evolutivo, um objetivo a ser alcançado. Ou melhor, como diria
Weber, ações com espírito, com uma característica de mesclar a existência com o
sonho. Sim, dessa forma podemos entender que o sonho faz parte da realidade,
quando se relaciona com ela de maneira equilibrada e norteadora; o problema do
sonhar está justamente na transferência dos sonhos coletivos para a política; em
termos práticos, permitimos que grupos políticos passassem a sonhar a realidade
por nós. No fundo é isso que escolhemos nas eleições: os sonhos ‘políticos’ de
grupos partidários.
A contrapartida da tese do sonho como espírito da
sociedade, passa pela afirmação dos conceitos existencialistas. Quero dizer:
será que quando mergulhamos nessa instantaneidade do mundo virtual, avessa e
árida em relação ao sonhar, que nos torna oniscientes, não só do que ocorre no
mundo, mas que nos leva ao fim do polimento das relações humanas, − exceção em
nossos enclausuramentos em grupos sectários e/ou afetivos − não se trata, no
fundo, da mais crua realidade? Tudo é o
que é?
Hoje é muito mais fácil de se conhecer a humanidade
do que no século XX. – Se vamos nos decepcionar ou nos surpreender, só a
história dirá, ou isso vai depender diretamente do ponto de vista que desejarmos
entender dos fatos. Não há esperança, somente existência e parcialidade em
nossas exposições e análises críticas daquilo que somos, e do que o outro é,
nesse mundo virtual e global; as definições já estão prontas antes mesmo dos
fatos acontecerem. As ‘soluções’ para a refinada
decadência humana pós-moderna passam pela assepsia, amputação e confinamento
das partes de nós mesmos diagnosticadas como ‘patológicas’, e isso com base em um
senso comum que pratica o fim da polidez e exalta as grotescas ofensas com que divergentes
se tratam on-line. Isso não seria outra coisa, senão um sintoma de veracidade
extrema? Ou como diriam os existencialistas: eis o fim da maquiagem! - Não somos mais misteriosos uns para os outros.
Não há soluções que possam ser arquitetadas
academicamente, fato que expõe nosso sistema educacional a um desnorteamento
claro e óbvio. Pensar, e logo concluir
que se existe como indivíduo, não garante grandes alterações na realidade,
talvez só aumente a sensação de impotência perante o desenrolar dessa mesma realidade
que nos cerca. Ou nos juntamos a ela, ou
a conduzimos com nossa arcaica concepção de avant-garde a lugares onde a
atmosfera possa ser mais limpa. Isso, claro, se o consumo deixar.
Auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
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