(Coxístenes se depara com
Sócrates nas ruas de Atenas)
Coxístenes:
Sócrates, é graças aos deuses que lhe encontro pelas ruas de Atenas. Nosso
prefeito, Desnodória, é o mais comentado e citado nas redes sociais. Todos só
falam dele e de suas 'conquistas', como aquela de se vestir de gari. Que belos
tempos são estes, em que um prefeito se torna um ídolo? Que pensas sobre isso,
caro Sócrates.
Sócrates:
Não posso negar que a 'fama', por gestos tão 'nobres', cerca o tal prefeito. E
nem posso deixar de pensar na 'qualidade' da platéia que o cerca, sobretudo no
quesito da lógica, digo da lógica política e social, Coxístenes.
Coxístenes:
Sócrates, como sempre, sou inclinado a dizer que não te entendi, meu caro. Porém, devo-lhe adiantar que nosso estimado
prefeito tem certa aversão à palavra: social.
Sócrates:
Sim, isso ficou claro quando ele apagou os grafites da cidade e sem uma
consulta prévia da própria sociedade que o elegeu.
Coxístenes:
Mas aí é que está, caro Sócrates, ele conseguiu dar a volta por cima. Foram
várias as críticas, inclusive a última feita por uma empresa, a Amazon, sobre o
cinza sombrio que agora cobre nossa cidade. Ele, o Desnodória, respondeu que,
ao invés de criticar, a empresa deveria doar livros e aparelhos eletrônicos
para as nossas escolas. Achei isso genial, Sócrates! Como não se encantar, se
apaixonar por algo tão maravilhoso?
Sócrates:
Se me permite, caro Coxístenes, toda paixão é cega, como já disseram nossos
sábios filósofos; entre eles, Flaviano de Corinto. E com base nisso, se me
permite, dentro de minha ignorância, gostaria de lhe fazer uma pergunta. Posso fazê-la?
Coxístenes:
Mas é claro, Sócrates. Pergunte.
Sócrates:
O prefeito, o Desnodória, é um homem de negócios, um empresário, um gestor e logo, em função disso, supostamente,
teria potencial para ser um bom administrador público. Seus asseclas sempre
afirmam isso de maneira veemente, não é mesmo?
Coxístenes:
É exatamente isso, Sócrates. Ele foi eleito com base nesse discurso: um gestor
apolítico. Ou um não político. Bem, algo do gênero, se não me engano.
Sócrates:
Então eu não me equivocaria se achasse
que o dito prefeito, que por enquanto só faz alarde nas redes sociais, pedisse
às empresas, tais como essa Amazon, que doassem livros e computadores para
nossas crianças, mas com base nos próprios grafites, tal como se dissesse:
"...se empresas doarem livros e computadores para nossas escolas,
poderíamos produzir coisas ainda mais bonitas que os 'nossos' grafites. Não só
melhoraríamos a formação do cidadão, como também no embelezamento estético da
cidade".
Coxístenes:
Sócrates, você me confunde. Pode me explicar melhor?
Sócrates:
A questão está ligada ao processo educacional. Todo prefeito deve ter em mente
a importância da educação. Dessa forma, se ele mostrasse o que a cidade já fez
de correto, as ditas ações que nos tornaram melhores, e as potencializasse, eu
diria que ele não só estaria protegendo, como também estimulando o pensamento
ético do senso comum, base para a construção saudável do espaço geográfico em
que vivemos todos nós.
Coxístenes:
Agora me confesso perdido, Sócrates.
Sócrates:
Ele não só apagou grafites, mas estraçalhou formas de pensamentos sociais,
provindos do sistema educacional. Pense na sociabilidade que se fez ao redor da
produção dos grafites? Quanta gente foi envolvida na execução dessas obras? E
mais: Desnodória interferiu negativamente na forma de como as futuras gerações
irão olhar pra cidade. O que era cor, expressão, tornou-se cinza(s) em função
da arbitrariedade.
Coxístenes:
Mas e aquela polêmica toda que causou?
Você é polêmico...
Sócrates:
Exato, Coxístenes. Ele usou a polêmica, a usa ainda, não para ampliar a visão
política do cidadão, mas sim para remediá-las com a possibilidade de negócios,
mesmo que isso destrua e corrompa pensamentos e concepções estimulados pela
educação. Afinal, qualquer um pode ser um bárbaro, um chefe de boca de fumo que
só sabe polemizar e resolver essas mesmas polêmicas, geradas por ele mesmo, com
os negócios embasados num autoritarismo semeado de lucratividade e proibições.
Ele induz a sociedade a aceitar uma 'servidão' diante da gestão que propõe.
Coxístenes:
Sócrates, você quer dizer nosso prefeito usa uma lógica de homem de negócios
privados, tal como se fosse um chefe de boca de fumo, para administrar a
cidade?
Sócrates:
Não quero ser tão polêmico assim, meu caro. Mas espero o dia em que ele se vestirá
de professor, de enfermeiro, de desempregado, de artista de rua, de camelô, de
artesão de, de um doente que necessita das farmácias do SUS que ele vai fechar,
de operário..."um simples operário
que sabia exercer sua profissão".