Do
que se pode lembrar, era uma vez num reino distante. O rei havia se declarado
proprietário único e inequívoco das terras e dos animais que habitavam os
bosques e as florestas. Assim, ninguém poderia caçar e/ou plantar para se
alimentar, salvo fosse para dar a maior parte para o rei e sua corte. Gente que
nunca trabalhou, mas que se dizia dona de tudo e isso era em nome de Deus,
aquele que justificava a organização do mundo como tal; não havia injustiça no
mundo, mas sim a vontade de Deus. – Deveras, o povo passava fome.
Com
o passar do tempo, surgiu um homem que desafiou a organização do mundo. Como
era um caçador capaz de capturar os animais de grande porte com facilidade,
batia no peito e berrava nas tavernas que o mundo deveria ser daqueles que
fossem capazes de domá-lo. A eficiência da técnica de caçar, plantar e pescar é
que deveriam ser critérios para que as pessoas fossem donas de terras e
animais, não um rei supostamente autorizado por um deus.
Essas
novas idéias se espalharam com o tempo. O rei deixou de existir e quem passou a
dar ordens foram os homens que se intitulavam liberais, que ainda escolherem
representantes para apoiar e justificar suas idéias a respeito de como o mundo
deveria funcionar. Agora não mais pela vontade de Deus, mas sim por meio das
ações dos mais eficientes sobre a Terra. Aqueles que fossem mais especialistas
na caça e no plantio seriam as novas referências sobre o local do poder.
Dessa
forma, o que parecia ser um avanço, era, na realidade, uma outra forma de
controle e de subjugação da maioria por um minoria exclusivista. O pensamento
do Liberal havia vencido o rei, mas em contrapartida, havia impossibilitado o
surgimento de uma variedade de habilidades humanas, no que dizia respeito a ser
e existir e viver, selecionando e permitindo somente pessoas que tivessem as
mesmas habilidades de sobrevivência do Liberal inicial, para ocuparem a base da
pirâmide social. Existir era um processo contínuo de micro-amputações de
habilidades e desejos em prol de uma eficiência única, que deveria manter-se em
contínuo funcionamento para a glória exclusiva dos lucros dos homens que haviam
se apossado das terras e dos animais. - Deveras, o povo ainda passava por
privações e não era feliz.
O
tempo, como senhor da razão, tornou as idéias dos liberais velhas e
anacrônicas. Para se manter no poder os liberais usavam a força armada e
criaram instituições para reproduzirem seus jargões sobre a realidade, os
termos que deveriam se constituir na matéria prima do senso comum, que dessa
forma propagaria, aos quatro ventos, que a vida era assim e desde que o mundo
era mundo. Era a formatação de um modelo que permitia os privilégios de alguns
poucos sobre a maneira de pensar a História da espécie humana, um ‘arbítrio
irracional’ se impondo à História universal como se fosse algo inquestionável,
uma racionalidade última e definitiva.
Os
liberais nunca se importaram com o fato de que manteriam o poder de maneira
decadente. Isso nunca os incomodou. Mas sabemos que não se pode controlar o
espírito humano. E em meio às multidões dos reinos dos homens serviçais dos
liberais, começaram a surgir pensadores. Homens que usavam a lógica e razão
para subverterem o universo criado pelos ditos liberais.
Na
mesma taverna onde antes o especialista em caça fizera sua aparição, um homem
de barbas vermelhas dizia a todos que a natureza não era uma máquina que
poderia ser apropriada, nem por reis e nem de liberais, mas sim um organismo
vivo que produzia pela biodiversidade. Se todos criassem animais em terras
coletivas e também permitissem e estimulassem a produção agrícola
diversificada, em comunhão com animais e plantas e outros seres humanos, todos
teriam tempo para viver, in loco, as possibilidades do verbo ser. E não mais a
cópia barata e constate de posturas de ações teorizadas e espalhadas pelo mundo
por meio de palestras de gestão e de uma imprensa de braços dados como os
simulacros do marketing liberal.
Os
pensadores criaram espaços dissidentes dentro das linhas do pensamento ortodoxo
liberal e passaram a ser 'cassados' por isso. Revelaram que muitas verdades eram apenas dogmas, ilusões que
permitiam o controle das massas, compostas por indivíduos que pensavam de maneira
igual e que viviam com medo de algo que nem sabiam o que era. Por isso evitavam pensar
no trabalho como algo que lhes desse identidade social e cultural, ao mesmo
tempo em que os envolveria, de novo, com o meio ambiente do qual haviam nascido. Somente a eficácia do lucro deveria ser discutida, para que o mundo pudesse ser, em paz, para sempre, 'neo-liberal’.