segunda-feira, 24 de abril de 2017

O rei, o liberal e o pensador


Do que se pode lembrar, era uma vez num reino distante. O rei havia se declarado proprietário único e inequívoco das terras e dos animais que habitavam os bosques e as florestas. Assim, ninguém poderia caçar e/ou plantar para se alimentar, salvo fosse para dar a maior parte para o rei e sua corte. Gente que nunca trabalhou, mas que se dizia dona de tudo e isso era em nome de Deus, aquele que justificava a organização do mundo como tal; não havia injustiça no mundo, mas sim a vontade de Deus. – Deveras, o povo passava fome.
Com o passar do tempo, surgiu um homem que desafiou a organização do mundo. Como era um caçador capaz de capturar os animais de grande porte com facilidade, batia no peito e berrava nas tavernas que o mundo deveria ser daqueles que fossem capazes de domá-lo. A eficiência da técnica de caçar, plantar e pescar é que deveriam ser critérios para que as pessoas fossem donas de terras e animais, não um rei supostamente autorizado por um deus.
Essas novas idéias se espalharam com o tempo. O rei deixou de existir e quem passou a dar ordens foram os homens que se intitulavam liberais, que ainda escolherem representantes para apoiar e justificar suas idéias a respeito de como o mundo deveria funcionar. Agora não mais pela vontade de Deus, mas sim por meio das ações dos mais eficientes sobre a Terra. Aqueles que fossem mais especialistas na caça e no plantio seriam as novas referências sobre o local do poder.
Dessa forma, o que parecia ser um avanço, era, na realidade, uma outra forma de controle e de subjugação da maioria por um minoria exclusivista. O pensamento do Liberal havia vencido o rei, mas em contrapartida, havia impossibilitado o surgimento de uma variedade de habilidades humanas, no que dizia respeito a ser e existir e viver, selecionando e permitindo somente pessoas que tivessem as mesmas habilidades de sobrevivência do Liberal inicial, para ocuparem a base da pirâmide social. Existir era um processo contínuo de micro-amputações de habilidades e desejos em prol de uma eficiência única, que deveria manter-se em contínuo funcionamento para a glória exclusiva dos lucros dos homens que haviam se apossado das terras e dos animais. - Deveras, o povo ainda passava por privações e não era feliz.
O tempo, como senhor da razão, tornou as idéias dos liberais velhas e anacrônicas. Para se manter no poder os liberais usavam a força armada e criaram instituições para reproduzirem seus jargões sobre a realidade, os termos que deveriam se constituir na matéria prima do senso comum, que dessa forma propagaria, aos quatro ventos, que a vida era assim e desde que o mundo era mundo. Era a formatação de um modelo que permitia os privilégios de alguns poucos sobre a maneira de pensar a História da espécie humana, um ‘arbítrio irracional’ se impondo à História universal como se fosse algo inquestionável, uma racionalidade última e definitiva.
Os liberais nunca se importaram com o fato de que manteriam o poder de maneira decadente. Isso nunca os incomodou. Mas sabemos que não se pode controlar o espírito humano. E em meio às multidões dos reinos dos homens serviçais dos liberais, começaram a surgir pensadores. Homens que usavam a lógica e razão para subverterem o universo criado pelos ditos liberais.
Na mesma taverna onde antes o especialista em caça fizera sua aparição, um homem de barbas vermelhas dizia a todos que a natureza não era uma máquina que poderia ser apropriada, nem por reis e nem de liberais, mas sim um organismo vivo que produzia pela biodiversidade. Se todos criassem animais em terras coletivas e também permitissem e estimulassem a produção agrícola diversificada, em comunhão com animais e plantas e outros seres humanos, todos teriam tempo para viver, in loco, as possibilidades do verbo ser. E não mais a cópia barata e constate de posturas de ações teorizadas e espalhadas pelo mundo por meio de palestras de gestão e de uma imprensa de braços dados como os simulacros do marketing liberal.
Os pensadores criaram espaços dissidentes dentro das linhas do pensamento ortodoxo liberal e passaram a ser 'cassados' por isso. Revelaram que muitas verdades eram apenas dogmas, ilusões que permitiam o controle das massas, compostas por indivíduos que pensavam de maneira igual e que viviam com medo de algo que nem sabiam o que era. Por isso evitavam pensar no trabalho como algo que lhes desse identidade social e cultural, ao mesmo tempo em que os envolveria, de novo, com o meio ambiente do qual haviam nascido. Somente a eficácia do lucro deveria ser discutida, para que o mundo pudesse ser, em paz, para sempre, 'neo-liberal’.