Acho que fui um dos primeiros Ets a visitar Varginha; sul das Minas Gerais. A família da minha mãe é daquela região, do tempo em que no Brasil ainda existiam os trens. Eu só ouvi falar de viagens nos trens, cheias de poesias e coisas engraçadas. Não, eu não viajei de trem para Varginha. Ia no carro de meu pai, longas três horas em estradas sinuosas; fora as serras.
Mas lá tudo parecia brilhar. Começava pelo fato de Varginha parecer bem mais limpa do que Cruzeiro, minha cidade; apesar de Cruzeiro ter uma natureza muito mais bonita. Talvez a feiúra estivesse na política da região, não sei! Quem explica?
Meu tio-avô nos recebia de forma especial. Ele se parecia, fisicamente, com ... — antes deixa eu dar três batidinhas na madeira para não trazer o passado de volta. Lá vai: com o Geisel. Era a cara dele. E era justamente o tempo em que eu freqüentava a casa dele, sempre em janeiro, para passar as férias, que o General Geisel governava o Brasil. Quando olhava na TV o Geisel falando alguma besteira, podia acreditar cegamente que era meu tio, se ele não estivesse ao meu lado, no sofá, assistindo ao mesmo tele-jornal. Minha mãe dava asas à imaginação e dizia que ele gravava a entrevista e voltava para Varginha, para que ninguém o incomodasse. E eu estava ali, ao lado do ‘presidente ditador’ do Brasil.
O que mais eu gostava no governo dele, era o fato de trazer todos os dias, logo pela manhã, um queijo mineiro, o mais gostoso de toda minha vida. A toalha xadrez, com bules de louça, com manteigueiras de vidro, xícaras com asas extremamente curvadas, era a mais linda cena comestível que se poderia ter. Nenhum café, da manhã ou da tarde, era melhor que os de Varginha. Sobre tudo os da casa do tio Jaime. Outros tios e tias, que também moravam na cidade e eram alvos de visitas por parte de minha mãe e eu, também eram fortes concorrentes ao título internacional de melhor café de todos os tempos. Varginha era o lugar para ser feliz. Era um universo mágico.
Existe por lá um gosto por se contar histórias, talvez o único lugar do mundo onde um doce rima com machado de cortar lenha. Tudo se encaixa. São coisas que ganham vida e percorrem o mundo gerando uma atmosfera própria. Eu ouvi, certa vez, meu esse meu tio contando uma história que o fazia rir com os olhos fechados, com a mão meio que sobre o estômago, como quem segurava uma contorção, uma cãibra, de tanto querer rir e não poder segurar. Era o tal caso do machado e do doce.
Foi uma mulher que eu nunca vi, mas que conhecia por nome e acho se chamava Amália, havia feito um doce especial, do tipo que tem a tendência de parar o transito de tão gostoso que era. E dizem que era mesmo. Mas daquela vez algo saiu errado, não com o sabor, mas com a liga do doce, que ao que parece, foi além da conta. O sabor estava celestial, uma sinfonia de Vila Lobos, mas tinha que ser cortado com um machado. Levado à boca, jamais seria desmanchado. Uma espécie de bala eterna, talvez uma receita para quem tivesse a eternidade para chupar o mesmo tablete de doce.
Hoje tenho a clara convicção que tal receita foi coisa de anjo, habitante de cozinhas movidas a fogão a lenha, coisa de avó, e ninguém quer ficar longe de tal amor. É isso, descobri!! Varginha era minha avó, era a cidade que me acolhia como uma avó. A benção, Varginha.
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