quarta-feira, 9 de março de 2011

A lua

Sua obscura luz azul nos molha à noite e nos anestesia em meio a árvores. O céu fica mais calmo. À sombra em noite lunar, se percebe o verdadeiro clarão do satélite. Tudo parece calmo, em câmera lenta. Flutuante.

Somos seres flutuantes no céu lunar. Os passos não fazem barulho, o chão se transforma em nuvem. A lua nos encanta, nos guia na rota misteriosa de nós mesmos. Quem olha pra ela vira poeta, ao menos por um instante. É o que basta: olhar a lua e ser poeta.

Poeta é aquele que olha pra lua e não vê só a lua. Ela pode ser tudo, mas podemos começar pelo sonho. Ou pelo o que não é lua.

Já viu quando o vento carrega nuvens diante dos olhos da lua? As nuvens parecem o tempo passando diante de nós. Me deixo levar, pois ela também se deixa levar para qualquer lugar. Acompanha o carro em movimento como um anjo vigilante. Paralaxe é o nome do fenômeno. Ela sempre nos segue, pra qualquer viagem. Tanto a mim, quanto a você. E podemos não estar no mesmo caminho. Paralaxe!

—...vou casá com a lua!!! Vou casá com a lua!!!

Essa frase não é minha. Pertence a um homem que era louco, livre, que fazia fogueiras na beira da estrada de ferro. Dormia nas ruínas da estação ferroviária, nas ruínas do próprio país. Dentro da cidade.

Tinha um bigode ralo, mexicano, com cabelo preto, liso, um índio. Ficava dizendo que iria casar com a lua. Diziam que fora um renomado professor de matemática, expulso da própria casa por uma maldosa família. Perdeu o fruto de seu trabalho. Nome: Zé Porquinho.

Sua loucura era composta de vários mundos. Havia os dias lunares e as viagens ao país da aritmética. Estava sempre alheio, mas bastava ouvir a pergunta sobre um cálculo qualquer que respondia imediatamente:

—...raiz de 25, quanto é?

—..é 5!!

Uma precisão absoluta.

Mas havia dias em que o mistério tomava-lhe a alma e parecia querer libertá-lo dos números, daquela maldita memória exata que todos forçavam-no a reviver, só para alimento do deboche.

Agora sei que sua proteção vinha da lua. Ela sentia seu sofrimento, sua agonia numeral e libertava seus sonhos. Os números que fosse para o meio da beirada. E não adiantava forçar a barra.

—..3 X 3 é quanto, Zé Porquinho?

—...72!! vou casá com a lua, ...33, vou casá com a lua!!!

Sua figura não saiu de minha memória. Ainda vejo a lata de óleo vazia sendo usada como panela em meio a restos de madeira. Ele agachado, coçando a cabeça, os pés no chão, um sorriso estático, preso em algum lugar que eu não tinha acesso. Eu tinha tanta coisa em minha casa, menos a coragem para viver tal como ele: livre. Dar um chute no sistema e ficar olhando a lua, com o direito a errar contas. As recriminações não teriam efeito, o deboche não mudaria o quadro, a caridade seria só a caridade, mais nada. Só faltou minha coragem.

Ele era o caçador de luas, o amante das nuvens. Meu!! Que inveja!

—Vou casá com a lua, com a lua, com a lua, com a luuuuaaaaaaa...



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