domingo, 7 de agosto de 2011

O sonho



Alá estava em seu jardim. Os deuses têm imensos jardins infinitos, e nada fazem por lá, a não ser andar de um lado pro outro. Um dia Alá chegou à fronteira de seu jardim com o de Jesus e, através da grade, o chamou. Jesus estava cabisbaixo. Disse que estava triste porque agora havia terroristas agindo em seu nome, com bombas e matança de gente. Alá sorriu e disse: “Você se acostuma. Tenho centenas de homens-bomba em minha consciência”. Mas isso não aliviou a barra de Jesus.

Assim, o deus do islã chamou Jesus para que caminhassem juntos. Saíram de seus jardins e caminharam por jardins menores, e num deles, havia um trailer que vendia cervejas e cachorros-quente. Era o trailer de Buda, que ganhava a vida honestamente. Buda sentou-se com os ilustres fregueses, pois não era todo dia que se recebia Jesus e Alá, assim, de uma vez só. Os dois consolaram o Deus cristão, pois eram seus amigos; mas não puderam deixar de dizer que, afinal, não era a primeira vez que matavam em nome dele, Jesus, e ele deveria saber disso. Jesus concordou, mas disse que sempre teve proteção da imprensa, mas dessa vez, na Noruega, não dava pra tampar o sol com a peneira.

Buda e Alá, diante de um Jesus tristonho, foram até a um campo de futebol nas proximidades do trailer do Buda. O futebol alegra as pessoas e lá foram os três, tentar esquecer as amarguras da vida. Para isso o futebol fora inventado. Se apresentaram na portaria e foram aceitos pelo treinador, que não era louco e não recusaria essa milagrosa participação.

Como o número de jardins no Universo é infinito, com um número infinito de deuses, há um campeonato de pontos corridos entre as agremiações celestes que ninguém sabe quando começou e nem quando vai terminar, dado o fato da somatória de números ser infinita.

Naquele dia jogaria o Tricolor da Angélica Aliança, contra o Alvi-negro dos Portos Estrelares. Jesus, Alá e Buda entraram em campo. A galera delirou. Jesus jogava meio estilo Ganso, distribuía bem e batia colocado com a esquerda; Alá, espécie de Neymar incontrolável, era só ataque; Buda ficou lá na frente, parado, espécie de Leandro Damião careca. Mas foi dele o gol da vitória do Tricolor.

Depois do jogo, os três foram para a balada com os torcedores e com as marias-chuteira. a balada durou milênios, porque assim são os dias dos deuses. Quando acordaram, estavam num imenso palácio, o palácio das Vaidades. Os três estavam sentados frente a frente, em círculo, num chão de vidro cheio de almofadas de cetim. Naquele palácio os três eram visitados constantemente por gente de todos os lugares; a maioria queria os autógrafos, pois depois daquela partida inesquecível, tornaram-se super-stars. Televisões, revistas, jornais, templos, bancos, escolas, exércitos e prisões só pensavam neles. Assinaram milhares de contrato de publicidade.

Mas eis que um dia, uma das portas do palácio se abriu e um bebê, um menino que estava prestes a dar os primeiros passos, entrou. Ele ficou em pé diante dos três e cambaleou. Parecia que iria cair no colo de Jesus, mas bem na hora se equilibrou e parecia se dirigir aos braços de Alá, mas de novo se re-equilibrou e quando todos pensaram que se entregaria ao Buda, o menino, ereto, controlando o próprio corpo, de novo, ficou em pé; e sem ajuda. Em seguida passou a caminhar livremente.

Com o domínio das próprias pernas, o menino olhou nos olhos dos três deuses que imediatamente começaram a se transformar em névoa, que desapareceu a flutuar além do céu; o palácio também desapareceu. Em seu lugar, uma estrada surgiu debaixo dos pés do menino, que já não era mais um bebê, mas sim um jovem adulto, que começou a caminhar de posse do próprio destino. Ele era o espírito da humanidade. Atrás dele iam os animais terrestres.

Longe, no horizonte, - seus olhos agora viam a Terra, - havia uma montanha com ar puro e água limpa em seu cume. A semente do homem pleno começou a escalar a montanha e, quanto mais subia, mais forte se tornava; além de viril e exuberante. A certa altura parou e olhou pra trás. Lembrou-se dos sonhos entorpecidos que tivera e lamentou o tempo que perdeu de sua vida, quando acorrentado a sentimentos tão medíocres e letárgicos.

Agora era livre para voar como uma águia e usufruir o máximo de si mesmo. ( e dançava a música que os tolos e os medíocres se recusavam a ouvir)


(aos amigos: estou querendo enviar está crônica ao jornal da cidade. minha mulher disse que dará rolo. será?).

11 comentários:

  1. "Como o número de jardins no Universo é infinito, com um número infinito de deuses, há um campeonato de pontos corridos entre as agremiações celestes que ninguém sabe quando começou e nem quando vai terminar, dado o fato da somatória de números ser infinita."

    Sensacional insigth, buddy!

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  2. Sim dá rolo!

    Só teria a cisão com os deuses com mais dor, ainda o é assim... Mas a figura da névoa como um pesadelo desfeito é bela mesmo assim.

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  3. O que aconteceu com o Sidarta que na praça lia
    Herman Hesse?
    Uma crônica muito boa que mostra como o misticismo
    aprisiona as pessoas.O opio do povo como diria Marx.
    Como já disse antes o misticismo só é bom belo e
    válido enquanto poesia...

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  4. Esse menino da crônica é o ser humano que evoluiu
    e que aprendeu que para ser livre e feliz é preciso antes de tudo se libertar do misticismo e dos preconceitos ...
    Uma correção no comentário acima...O ópio....

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  5. Não conheço a comunidade de Cruzeiro mas acho que
    dá rolo compressor.

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  6. é, eu sei. me lembrei do misticismo enquanto poesia, q o tom falou e do deus velho, com dentes engordurados, do A&V; é, ces tem razão. vou deixar só aqui no blog.

    o menino cresceu e agora quer matar trabalho para ler bukowski no quintal, com A&V, Tom e quem mais vier para a santa ceia. rs

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  7. Não, coloca...

    A passagem do ópio religioso para o do espetaculo(futebol) é sensacional, mas não há cisão sem dor, a não ser no sonho, por isso que acho correto a sua interpretação, seria tudo um sonho humano, a não-realidade.

    Meio utilitarista e pragmático, mas senão as pedras para mostrar o caminho, o que temos?!

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  8. "E aqueles que foram vistos dançando, foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música" o bigodudo.

    Lembrei desta citação...

    tsssss, abrindo um skol, para comemorar...

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  9. Dá para pontuar como pensamento de Leonardo Boff... =)

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  10. líderes do sonho. uma skol também. o galo do tom foi cozido.

    o bigode é massa. essa frase, ainda mais. o final do texto é cover do zaratustra e alex supetramp, aquela cena que o veder musicou também.

    tenho que confessar que também pensava nos contos de voltaire, onde ele desnuda a frança absolutista e católica com histórias decoradas com a estética do oriente médio. sultões, grãos-vizir, califas, sacerdotes e etc...verossimilhança

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