Maciel tinha a
cabeça no formato de uma cisterna, diziam que sabia de tudo. Devorava qualquer
livro, ou qualquer informação de maneira rápida, e que em poucos minutos era
capaz de discursar sobre o assunto absorvido e sem o uso dos dentes, ou da necessária digestão metabólica cerebral. Dava luz imediata a ensaios, que para
freqüentadores de salões acadêmicos, medianos em sua formação, sugeriam pérolas
da originalidade. Mas que na verdade, desmascarado o vocabulário pomposo e
rococó nas entranhas de tais ensaios, emergiam meros aglomerados de citações de
outros autores. Era seu maior segredo, o fato de não ter uma voz original.
Apesar de lecionar Lógica, seus alunos, durante suas exibições retóricas e digressões temperadas por UFOs, espiritismo, xamanismo e ‘filosofismos’, nunca conseguiram desenvolver uma linha de raciocínio que os libertasse do labirinto da ignorância. Quanto mais aulas, mais trevas e mais citações de
um mundo distante e, inevitavelmente, menos lógica. Aos pobres alunos só
restava uma arma: afagar o ego da Hidra das citações vaidosas para
que ela não os castigasse na nota. Logo, em termos lógicos, só sobrava aos alunos a
manipulação.
Mas um dia a
casa caiu. Uma bela noite um aluno lhe perguntou o que significavam os versos:
“...homens vestidos como nuvens, ajoelhados diante de redes crepusculares...”,
de Dylan Thomas. Abatido, sem voz, sem capacidade de entender uma simples
metáfora que indicava o fim comum da vida de velhos pescadores do país de
Gales, terra de Dylan Thomas, e também pelo fato de nunca ter lido nada a
respeito do poeta, Cisterna extraiu do limbo a frase que sempre condenou em
seus colegas, “...vou pesquisar, depois te explico!”. Foi o silêncio mais
constrangedor já ouvido naquela Universidade.
Pode parecer
estranho, caro leitor, um aluno perguntar ao professor de Lógica sobre uma questão
de Literatura, mas Cisterna dizia-se a última coca-cola do deserto, e que sabia
de tudo e lia sobre todos os assuntos. Era um buraco negro capaz de absorver
qualquer livro e expelir a luz de suas páginas em forma de críticas, ensaios,
artigos e discursos mais.
Pobre Maciel
Cisterna, dizem que até hoje não aprendeu que o significado de ser sábio
corresponde ao gesto de saborear, sorver lentamente os saberes do mundo. E ainda:
que o oposto disso, segundo o bom e velho Nietzsche, a quem agradeço as lições de vida,
é a gula suína, que não mastiga o que come, e simplesmente engole sem sentir o
sabor de coisa alguma.
Se engana quem
pensa que tive aulas com o Cisterna, quando passei por essa Universidade. Me
formei em
Assistência Social , um curso que não tinha espaço para um
professor de Lógica. Na realidade, eu ouvia conversas nos balcões dos botequins
que rodeavam o prédio da Universidade. Muita piada, muita maldade, muita
invencionice.
A última
que me chegou aos ouvidos, quando já estava formado, parecia um castigo do Olímpo. Sua noiva, cansada de
esperar por seus doutorados, o trocou por um pé-de-valsa, um mestre de salão de
bailes de forró; uma alma simples, que nem diploma ainda conquistou, mas que é
gentil e doce a ponto de roubar o coração de damas que vivem trancafiadas em castelos acadêmicos.
Espero que hoje esteja lendo Dylan Thomas e
entendendo por si só e que ele não se confunda quando souber que o poeta Gales disse que uma cerveja gelada, no primeiro gole, é Deus engarrafado.
Um brinde a Dylan Thomas.Auuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
ResponderExcluirE um poema de Dylan Thomas...
EM MEU OFÍCIO OU ARTE TACITURNA
Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.
Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.
(tradução: Ivan Junqueira)