sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Democracia na praça

Péricles na Ágora



O espelho da Ágora

Os antigos gregos inventaram três ‘coisas’ que revolucionaram a história da humanidade: a filosofia, o teatro e a democracia. É fato também que a criatividade grega não se limitou a isso. Não faltou ‘café no bule’ da Grécia antiga. O interessante é que as ‘invenções gregas’ nos levam à vertigem até hoje. É o caso da democracia, praticada na Ágora, a praça onde ocorriam os debates políticos gregos.

Pode parecer simples debater os assuntos pertinentes à sociedade numa praça. Mas criticar, acusar, tentar ganhar aliados e mudar o rumo das coisas em meio ao turbilhão de uma praça é instigante, assustador; uma batalha para deuses. E digo isso porque o quê se vê numa praça em debate é a própria personalidade dos indivíduos exposta em alta definição, que vai muito além dos ‘pixels’ das TVs de LCD. Ver a si mesmo exposto nos teores dos debates pode ser cruel por demais. Olhar-se no espelho é o início de uma jornada para dentro de si mesmo. E, todo aquele que defende princípios de moralidade, de crítica mordaz, de intolerância/tolerância, sente seu mundo pessoal estremecer e é invadido pelo medo quando se reconhece nos discursos dos outros. Nessa hora prefere fugir da luz que ilumina a Ágora e se jogar nas sombras, mas não antes de pronunciar, “sou apolítico, não voto”.

Brasil, eleições 2010. Nossa Ágora é composta pela TV, rádio, debates, comícios e discussões pela internet. O que estamos vendo não é um ritual de mediocridade, nem um espetáculo de baixo nível. O que estamos vendo somos nós mesmos, expostos nos discursos que recebemos. O grande espelho da Ágora não nos deixa mentir: ali estamos nós mesmos e sem a possibilidade de nos escondermos; por isso a vergonha, ou o orgulho. A Ágora dos gregos tem esse poder: todos nós podemos ver a vergonha/orgulho de todos expostos na luz do dia. É o oposto de se entrar num consultório para se fazer terapia e expor seus demônios, lobys e santos para uma única pessoa. Na Ágora, ‘nada pode nos proteger de nós mesmos’. Nela ‘estamos condenados à liberdade porque fazemos escolhas’.

Porém, o grande veneno capaz de intoxicar a Ágora é a hipocrisia. A hipocrisia cria a falsa idéia de que poderíamos fazer diferente se estivéssemos lá. Já ouvi em bares discursos indignados contra a corrupção e proferidos por pessoas que usam falsos recibos médicos para diminuir a dentada do leão da receita federal; mas são honestos. Também já ouvi palavras indignadas contra os lobys, e eram pessoas que apoiavam determinados candidatos que, depois de eleitos, dariam uma indicação política para gerar um bom posto de trabalho a um filho ou sobrinho. Empresários dignos patrocinam campanhas e depois ganham licitações. É o nosso mundo. Mas muitos intelectuais se revoltam quando a classe menos favorecida passa a votar em função dessa mesma lógica. Afinal, é ou não é uma democracia?

Não há liberdade sem interesses. Eles são os dois lados da mesma moeda. A corrupção e a ética são dois produtos que nascem dessa relação de liberdade e interesse. Já a hipocrisia necessita da ignorância. Exemplo: trocamos seis por meia-dúzia na ideia de que a corrupção e os lobys possam se acabar como num passe de mágica. Eles não se acabam, apenas a mídia pára de noticiá-los e então podemos cair numa crença de que o mundo se transformou num conto de fadas, onde a corrupção sumiu, e os interesses são supostamente éticos. Lembre-se: as empresas de informação também têm interesses e também fazem lobys. Por isso o grande problema do Brasil, em termos de debates políticos em nossa Ágora, é a chamada mídia oficial invadir a ‘praça’ do debate e não permitir que os indivíduos façam suas ponderações e conclusões próprias. Ela quer partir de julgamentos morais pré-estabelicidos por ela mesma e isso é extremamente anti-ético. Como algo que se inicia de maneira anti-ética pode gerar algo ético?

Há um claro interesse no resultado das eleições por parte da mídia conservadora. E afinal, o que é uma imprensa livre de interesses? Os Blogs da internet? As revistas semanais que são assinadas e distribuídas pelos governos estaduais? Os jornais das TVs de concessão pública, que se baseam apenas em uma revista para notificar denúncias? Não sei as respostas, mas sei que quando as eleições se acabarem e a poeira se assentar, a classe menos favorecida não poderá se alimentar das páginas da ‘imprensa livre’, nem se vestir com as imagens dos telejornais. Menos ainda, os pobres não vão especular nas bolsas de valores, mas sim os grupos de investidores ligados às empresas de informação. Pode acreditar que vão. Ahh! Vão!

Os megainvestidores sempre necessitaram de uma mídia que propague uma crise atrás da outra, assim o dólar e os juros sobem; o desemprego aumenta e se congela os salários. E tudo ‘culpa’ de uma conjuntura internacional.