terça-feira, 26 de novembro de 2013

A roupa

Eu assisti um filme, ‘Uma casa no fim do mundo’, e uma cena me chamou a atenção. A garota que vivia um triângulo amoroso, disse a um deles que ele se vestia mal, fora do tempo, era muito ‘retrô’. Que isso poderia atrair pessoas erradas; de repente ele estaria rodeado por elementos que não tinham nenhum tipo de afinidade com a personalidade dele, mas que por serem atraídos por suas roupas, dariam uma identidade equivocada a seu respeito e aos olhos de ‘todo o resto’. Tive uma revelação: “me mostra como te vestes que lhe direi quem irás atrair para junto de ti”. Talvez por isso nunca tenha vestido terno e gravata em minha vida. Imagine que tipo de pessoa eu não poderia atrair?! De Daniel Dantas a Joaquim Barbosa, e mais toda a escória conservadora da extrema direita desse país. Pior, se me vestisse como Hitler, uma horda de leitores da Veja iria passar a caminhar comigo, todos com os braços erguidos, tal como os Black Blocks, gritando palavras de ordem e defendendo um nacionalismo ‘anti-nacionalista’, que só a ‘desfilosofia’ de Olavo de Carvalho, Pondé e Magnoli pode explicar. Lembrei de Jesus, o bom e velho Cristo. Tá mais que na hora de fazer aquela barba, lavar aquela túnica e tocar um violão pra galera nos Luaus à beira mar. Chega de Cruz, dessa dor sem sentido, daquela expressão sofrida de quem está com a unha encravada e tropeça na calçada. Tenho certeza que o bom e velho Cristo, com um violão nas mãos, seria um Jack Johnson dos melhores; atrairia, por tabela, os órfãos de Bob Marley. Sim, paz, amor e perdão. Proposta essencial do cristianismo. Pense nisso antes de me condenar por ter imaginação. Mas preciso confessar uma coisa: depois desse estalo sobre a roupa e o que ela atrai, tive outra revelação; dessa vez dolorosa. Se começarmos a nos vestir como ETs, será que eles virão pra Terra? O que não falta nessa vida é maluco que ‘enxerga’ ET em superfície de bolo de aniversário de cinco anos e até encontra restos de UFOs em ferros velhos. Naves que caíram por aqui, enquanto se construíam as Pirâmides de Quéops e Miquerinos. — Há quem acredite que nos pilares da ponte Rio-Niterói se esconde um cemitério ET. ‘Em suma’, — como diriam os professores de redação de cursos especializados em tapear o ENEM —, eu viva em profundo Ledo e Ivo engano. Nunca dei às roupas os créditos que sempre lhes foram de direito no quesito: “...eis a essência do homem em sua aparência e vestimenta!”. “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí!”. Não, não é a camisa do Santa Cruz F.C., uma das camisas mais baianas do futebol brasileiro, e de todo o Pernambuco. Mas sim a letra de um clássico de nossa MPB, Camisa Listrada, de Assis Valente; a tal camisa listrada permitia que o personagem da canção fizesse várias coisas, entre elas: “...levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão, e sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão!”. ‘Camisa Listrada’ foi gravada por muita gente boa da MPB. Mas a glória foi com Carmem Miranda. Por sinal, Joaquim Barbosa, que gosta de aparecer mais do que porta-bandeira de Escola de Samba, e sem o mínimo pudor em usar a Constituição com se a mesma fosse papel higiênico, deveria se vestir de Carmem Miranda, — que ela nos perdoe —, e rebolar diante das câmeras da Globo, pousar nas páginas da Folha de SP, na Veja e num pôster da playboy. E depois dizer, finalmente, com todo falso moralismo e hipocrisia inerente aos homens de toga da suprema corte, que é candidato à presidência do Brasil e pelo ‘nacional-socialismo’.Mas e se ele se vestir igual aos caras da Kul Klux Klan? Bom, sabe mesmo o que eu penso? Esses caras da Direita são uns babacas. Vou é escutar Pink Floyd que eu ganho mais!

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

‘A regra é clara’: a realidade vem da ficção




“A realidade é aquilo que ser forma às margens da ficção”. Aprendi isso com Alberto Manguel. Talvez o homem que mais ame livros nessa vida. Vive das palestras que faz mundo afora. E todas elas sobre a escrita e as histórias que as rodeiam. Escreveu vários livros, mas um deles me dá uma inveja boa. Queria poder fazer o mesmo. “Os Livros e os Dias”, um diário de leituras sobre os livros que o ajudaram na formação humanista, revisitados por um olhar maduro. Do Deserto dos Tártaros, de Buzzati, ao Memórias Póstumas de Brás Cubas, do bom e velho Machado, passando pela Ilha do Tesouro, de Stevenson, — que este cronista pangaré está a ler — e alguns outros da mesma ‘fina estampa’.
Depois que ‘conheci’ Manguel, a regra entre realidade e ficção tornou-se clara, sim a ‘regra é clara’: a realidade só pode derivar da ficção. É simples. Não gosto de usar exemplos religiosos, mas vamos lá. Jesus quando contava suas parábolas, — sem pedir dízimos —, a seus seguidores, usava figuras ficcionais, como no caso da ‘volta do filho pródigo’. Nenhum daqueles personagens existiu na realidade, somente na ficção, mas sua ação na mente e nos corações dos homens que a ouviam era inevitável. Lógica da ficção: transformado o homem, transformada a realidade que ele passará a construir no espaço geográfico.
Após os textos religiosos, o Teatro, a Literatura, o Cinema, as Artes Plásticas, todos ajudaram na formação da humanidade construtora de realidades em concreto, aço e especulação. A posse da realidade está nas mãos daqueles que são capazes de teorizar sobre ela e desencadear ecos sobre o senso comum. Quanto não devemos a Chico Buarque pelo seu, “Pai! Afasta de mim esse cala-se”? Ou a Chaplin, em seu clássico, Tempos Modernos, o entendimento de nossa tragédia da perda definitiva do tempo, somado à asfixia do trabalho alienado?  Quantas ‘legislações’ não foram promulgadas com a influência do ‘estado de espírito’ gerado pela ‘ficção’, pelos anseios da Arte? Percebeu, caro leitor: morta a arte, morta a humanidade?!
E como a Arte morre? Quando a mediocridade emerge e vai muito além da linha da cintura e sufoca os indivíduos que não percebem o chafurdar no mediano. Milhões de pessoas ‘escrevendo’ em facebooks, twitter e blogs da vida, mas incapazes de uma frase, uma imagem apenas que possa canalizar os anseios da humanidade.
E além da avalanche de mediocridade, o casamento da política com o capitalismo, apadrinhado pela mídia, tornou-se a nova central de confecção de teorias da realidade. Vem dali o manual ético-moral com suas ‘modernizantes visões’ em planilhas e conceitos ‘otimizadores’ de gestões públicas e privadas; enquanto isso, somos ‘livres’ nas redes sociais ao postarmos que a tarde foi chata, porque havia uma consulta no dentista e nessa hora, não se pode ‘ver’ no celular o que compartilharam de ‘essencial’ em nosso perfil.
Se Jesus voltasse nos dias de hoje, — não acredito que volte, porque às vezes penso que nem veio, pois como ficção que foi, desencadeou maravilhas e tragédias —, mudaria o título de sua parábola da “Volta do Filho Pródigo” para o “Retorno do Filho Medíocre”. Depois de perambular pelas redes sociais, o filho se depara com uma biblioteca e ‘recomeça’ a ler os clássicos e, como conseqüência, resolve mudar o mundo. O primeiro passo é na remoção de políticos do DEM, do PSDB, do PT, do PMDB, do PSB, da Rede Sustentabilidade e derivados, das mãos da iniciativa privada, berço das teorias das ‘realidades’ planificas, estéreis e ‘precárias’. 
A política deve ser pública. Pense nisso! É preciso acabar com o ‘totalitarismo’ da ideia privada e libertar a Arte do calabouço da mediocridade.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O Gato Cheshire




Escreve-se Cheshire e se pronuncia ‘cherry’. Um gato simbólico que apareceu para Alice, no País das maravilhas, quando diante de duas estradas e ela pergunta ao gato que flutua, com o sorriso parecido com a lua crescente, qual caminho deve seguir. Ele argumenta sobre qual lugar ela pretende chegar. Alice responde que não sabe. E Cheshire responde que tanto faz, qualquer caminho nos leva a um lugar que desconhecemos desejar chegar.
Ainda no velho Reino Unido, havia um conto do século XVIII, sobre os gatos de Kilkenny, um lugarejo da Irlanda, onde os felinos se devoravam em brigas memoráveis e, por muitas vezes, só restavam suas caudas. Talvez uma metáfora sobre a nadificação do mundo, da corrosão interna e perene dos seres vivos. Hoje estamos altivos e orgulhosos sobre nossos pés; amanhã estaremos debaixo da terra, em silêncio, em lua de mel com os vermes, esse exército da ruína, como diria Augustos dos Anjos.
Cérbero, por sua vez, um cão de três cabeças, é o guardião do inferno de Hades, na mitologia Grega. Também no século XVIII, século em que a humanidade, ao que parece, mais se deixou levar pela psicologia dos contos e histórias, determinou-se que as três cabeças desse cão representavam passado, presente e futuro. Não sei qual seria o futuro de alguém às portas do inferno, diante de uma besta como essa. Mas o fato é que ele guarda o inferno e ninguém sai ou entra sem que seu bafo triplo seja sentido. Um cão de três latidos. Eco sobre eco. Loucura. Tormento. 
Os animais são, na realidade, na literatura, uma metáfora perfeita sobre o que pensa a humanidade, seus desejos e, por vezes, o que rejeita. Expressam a força interior do Homem. Na pré-história o xamanismo só fazia sentido se, nas leituras dos mistérios do mundo e do caos que o alimentava, as figuras dos animais surgissem como lastros para uma racionalidade. — Por isso não é preciso ir muito longe para saber o porquê da torcida gay corinthiana escolher uma Gaivota como símbolo. Querem voar longe, alto, sobre o mar azul, como seus irmãos da Gaviões da Fiel. 
O gato é símbolo da loucura, do mundo insondável, território das bruxas. Quando é negro e, em plena sexta-feira treze, cruza o caminho dos pobres mortais, indica que tudo será virado de pernas para o ar. O cão, por sua vez, é o melhor amigo do Homem e é o guardião do inferno. Ele guarda o Homem e o inferno. Será o interior do homem o próprio inferno?
Ledo e Ivo engano quem pensa que os animais, metafísicos ou físicos, são desprovidos de sentido. Há uma profunda relação entre os lobos e os caribus, nas terras ermas do norte, lá onde o Canadá já não é nem mais Canadá. Os Inuits (esquimós) dizem que os espíritos de ambos estão profundamente ligados. Não haveria milhares de caribus correndo pelas planícies de taigas se não fossem os lobos. Eles devoram aquilo que é de mais fraco e doente nos caribus. Assim eles sempre renascem, em sua maioria, fortes e capazes de sobreviver ao inverno dos extremos latitudinais das regiões subárticas.
Os Inuitis observaram isso muito antes do que Darwin. Às vezes penso com meus fantasmas por que foi mais fácil aos Inuits, supostos selvagens do gelo, entenderam a relação dos seres na natureza, do que explicar a católicos e evangélicos, habitantes eternos da Terra Plana, que tudo no mundo está relacionado e nada se perde, e não somos o centro do universo, menos ainda o quê lhe dá sentido (?). 
Os lobos não choram porque têm o espírito forte. Nietzsche escolheu para si a águia e a serpente como animais símbolos para sua filosofia; eles são corajosos e não têm medo da vida. E isso não significa que não conhecerão a morte e a derrota.