sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A montanha

O gigante adormecido, Itaguaré; é o perfil de um homem, percebe?


A primeira vez que fui acampar, fui com uma camisa xadrez, calça de algodão cru, tênis, mochila nas costa e urucum no bolso. Foi num janeiro da vida e chovia feito um “catiço”. E eu ali, subindo a escarpa, por caminhos d´água, uma delícia. Foi a primeira vez em minha vida que tomava uma chuva e não tinha nenhuma marquise para me esconder. Somente árvores, que não negam a chuva e deixam as gotas passarem livres e geladas.

Depois de quatro horas morro acima, carregando peso, chegamos a uma cabana de caçador — entenda cabana por quatro troncos finos sustentando uma cobertura de bambu e cheia de furos. Armamos nossas barracas ali, emendando com a cabana. Éramos quatro e estávamos molhados.

O primeiro baque foi não poder acender a luz ao fim do dia. E como fazer uma fogueira com a lenha toda molhada? A salvação da lavoura foi o fato de termos levado combustível sólido; com ele secamos lenha e fizemos uma fogueira. Dormi em chão duro e úmido. Sensacional.

O objetivo da excursão era o pico do Itaguaré. Aquela cabana seria nossa base, pois no outro dia, subiríamos sem muito peso, para curtirmos nosso passeio.

Tente dissolver leite em pó em água gelada pela manhã, é perfeito. Principalmente se você estiver com a idéia de fazer um mingau e não uma bebida. O pão com carne de soja quebrou o galho.

Com a barriga cheia, resolvemos subir o morro, que a certa altura, parecia ter 45º de inclinação e o ar ficava cada vez mais leve. Até lembramos das aulas de química, numa parada para tomar fôlego.

—Lembra... daquele troço de....química? o ar... raro?

—Não é....raro, é...rare...fei..to! ufff!

—É, ...é isso aqui!!

As nuvens cobriam o céu e a gente não podia ver o pico. Estávamos cada vez mais perto da nuvens, mas nada de Itaguaré. Mas algo mudou e o caminho ficou plano. Nessa hora, um dos integrantes da valorosa expedição viu um ratinho minúsculo. Com facão nas mãos, foi pra cima do bicho. Tinha uma faixa amarrada na cabeça, modelo Rambo e sentindo-se como tal. Foi para o combate.

—Cara, deixa disso, é só um ratinho.

Diante da reprovação de todos, parou e o ratinho correu para o meio da mata. Olhei para ele e percebi que a interferência norte americana em nossa cultura ultrapassava as roupas e a faixa na cabeça. O cara havia incorporado o Rambo e ia trucidar o pobre ratinho, talvez um grande guardião da floresta.

Voltamos ao caminho e estávamos mais próximos das nuvens do que nunca e com o caminho plano. O que mais poderíamos encontrar? Lógico, a descida.

Não percebemos que estávamos atravessando a montanha. Não vimos o desvio que levava ao pico. Tivemos que voltar e aí sim, encontrarmos o desvio. Mas já era tarde e tivemos que voltar para a base do acampamento; ainda chovia.

Nas barracas partimos para o almoço que tinha supervisão do Gustavo, o grande mestre cuca e Rei dos improvisos culinários. Jogou a água da lata da sardinha no arroz a ser cozido. Ficou espetacular. Nunca as formigas do lugar comeram tão boa iguaria. De novo, foi pão com carne de soja e sardinha crua.

Eu não entendia nada de natureza, e até hoje não entendo. Mas fui, fui ver o mundo que não conhecia, tentar um contato. Tudo bem que na época errada, pois não se acampa no mato em janeiro, mas sim, em julho. Sob o mais lindo céu azul do mundo.

Um dia ainda volto lá. Ahhh! Volto!