O meu bom e velho amigo do Rio Grande do Norte,
Alexandre A&V, publicou em seu blog sobre Diógenes, o cão, pai dos cínicos
da Grécia antiga. Filósofo que se isolou do mundo numa barrica e ainda era
performático. Certa vez soltou um galo depenado no meio de uma aula de Platão e
disse aos alunos, que arregalaram os olhos diante daquela heresia master: “Eis
o homem de Platão”. (somente na Idade Média a Igreja conseguiu decifrar o que
seria o Homem-galo-depenado - Tom, perdoe o chiste! - e passou a praticá-lo
despudoradamente)
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Mas de Diógenes fui a Montaigne, no século XVI, que
se isolou do mundo em seu sótão. Era um grande proprietário de terras da França,
e vivia numa propriedade imensa (um feudo). Porém, sua mulher, descendente da alta estirpe
francesa, era a personificação da vulgaridade que devorava rapazes e dinheiro com
voracidade insaciável. Ao grande filósofo, com profunda elegância, abriram-se
as portas da sabedoria e do amor sincero e profundo de uma das jovens serviçais
de suas glebas. A menina abandonou os serviços domésticos da Casa de Montaigne
e tornou-se a mão que escrevia os textos ditados pelo mestre, em devaneios e
especulações sobre as feridas e ilusões da Condição Humana. Seus famosos Ensaios.
Alheio e estrangeiro em suas próprias terras, Montaigne
viveu o amor entre o homem maduro e a jovem inteligente, que era capaz de
enxergar bem além dos anseios femininos da época: tecidos caros e jóias sobre
um corpo que quase não via água, à caça de homens ricos e e/ou proprietários de
folgada renda.
Do alto de seu sótão, em caminhadas circulares ao
redor da mesa em que sua jovem amada anotava suas pérolas, Montaigne escreveu
para o futuro; suas idéias eram avançadas demais para um mundo ainda à base de
homens-galos-depenados. A arrogância, a mediocridade, a ignorância, a
brutalidade a falsidade e etc. eram desnudadas sob a fantasia de seus portadores: papas,
reis, banqueiros, ‘artistas’, ‘filósofos’, nobres e derivados das diversas pocilgas 'lustradas e institucionalizadas' da época.
Uma das imagens mais lindas da história do velho mestre, é a dos
passeios que fazia com sua jovem amante, de mãos dadas, no contra-tempo do
mundo, nas tardes de domingo, no meio das manhãs dos dias úteis e à hora do
crepúsculo; era sempre quando a massa estava absorta em suas tarefas ‘imprescindíveis’,
a ponto de lhe oferecer altas doses de sossego e liberdade.
Quando ‘li’ em Giles Deleuze , num
de seus textos mirabolantes, uma análise sobre o isolamento dos filósofos
latinos, em relação ao ‘chão’ (dinâmica do espaço geográfico), vislumbrei Montaigne de imediato. A
metáfora me fez denotar Montaigne e também a Diógenes; mais aquele do que este,
diga-se de passagem. Para Deleuze, os filósofos latinos são como cometas,
brilham fulgurosamente nos céus, às vezes até mudam os rumos da história, mas não
têm os pés devidamente plantados na Terra.
Em termos ainda mais ‘deleuzianos’: não se ‘Territorializam’, ao contrário, estão sempre des-territorializados, o oposto da tradição dos filósofos da
escola anglo-saxônica: firmes com os pés no chão, a ponto de desenvolverem a
Revolução Industrial. — A posterirori,
não sei se isso se limita apenas ao mero duelo de empíricos X racionalistas (?).
E assim cabe a nós, pobres mortais, seguirmos em
nossa inveja admiradora a ascensão de Montaigne ao seu sótão, gesto que lhe permitiu a produção dos
Ensaios e a companhia de um amor jovem e verdadeiro. Pensar, amar, passear, olhar pras
cores do mundo e compromisso zero com a ‘realidade’ criada pelo penamento galináceo/católico do século XVI, intoxicado de Platão e ‘augustianismos-tomasianos’
floreados à ‘neon’.