quinta-feira, 5 de julho de 2012

Montaigne






O meu bom e velho amigo do Rio Grande do Norte, Alexandre A&V, publicou em seu blog sobre Diógenes, o cão, pai dos cínicos da Grécia antiga. Filósofo que se isolou do mundo numa barrica e ainda era performático. Certa vez soltou um galo depenado no meio de uma aula de Platão e disse aos alunos, que arregalaram os olhos diante daquela heresia master: “Eis o homem de Platão”. (somente na Idade Média a Igreja conseguiu decifrar o que seria o Homem-galo-depenado - Tom, perdoe o chiste! - e passou a praticá-lo despudoradamente)  
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Mas de Diógenes fui a Montaigne, no século XVI, que se isolou do mundo em seu sótão. Era um grande proprietário de terras da França, e vivia numa propriedade imensa (um feudo). Porém, sua mulher, descendente da alta estirpe francesa, era a personificação da vulgaridade que devorava rapazes e dinheiro com voracidade insaciável. Ao grande filósofo, com profunda elegância, abriram-se as portas da sabedoria e do amor sincero e profundo de uma das jovens serviçais de suas glebas. A menina abandonou os serviços domésticos da Casa de Montaigne e tornou-se a mão que escrevia os textos ditados pelo mestre, em devaneios e especulações sobre as feridas e ilusões da Condição Humana. Seus famosos Ensaios.
Alheio e estrangeiro em suas próprias terras, Montaigne viveu o amor entre o homem maduro e a jovem inteligente, que era capaz de enxergar bem além dos anseios femininos da época: tecidos caros e jóias sobre um corpo que quase não via água, à caça de homens ricos e e/ou proprietários de folgada renda.
Do alto de seu sótão, em caminhadas circulares ao redor da mesa em que sua jovem amada anotava suas pérolas, Montaigne escreveu para o futuro; suas idéias eram avançadas demais para um mundo ainda à base de homens-galos-depenados. A arrogância, a mediocridade, a ignorância, a brutalidade a falsidade e etc. eram desnudadas sob a fantasia de seus portadores: papas, reis, banqueiros, ‘artistas’, ‘filósofos’, nobres e derivados das diversas pocilgas 'lustradas e institucionalizadas' da época.
Uma das imagens mais lindas da história do velho mestre, é a dos passeios que fazia com sua jovem amante, de mãos dadas, no contra-tempo do mundo, nas tardes de domingo, no meio das manhãs dos dias úteis e à hora do crepúsculo; era sempre quando a massa estava absorta em suas tarefas ‘imprescindíveis’, a ponto de lhe oferecer altas doses de sossego e liberdade.
Quando ‘li’ em Giles Deleuze, num de seus textos mirabolantes, uma análise sobre o isolamento dos filósofos latinos, em relação ao ‘chão’ (dinâmica do espaço geográfico), vislumbrei Montaigne de imediato. A metáfora me fez denotar Montaigne e também a Diógenes; mais aquele do que este, diga-se de passagem. Para Deleuze, os filósofos latinos são como cometas, brilham fulgurosamente nos céus, às vezes até mudam os rumos da história, mas não têm os pés devidamente plantados na Terra.
Em termos ainda mais ‘deleuzianos’: não se ‘Territorializam’, ao contrário, estão sempre des-territorializados, o oposto da tradição dos filósofos da escola anglo-saxônica: firmes com os pés no chão, a ponto de desenvolverem a Revolução Industrial. — A posterirori, não sei se isso se limita apenas ao mero duelo de empíricos X racionalistas (?).
E assim cabe a nós, pobres mortais, seguirmos em nossa inveja admiradora a ascensão de Montaigne ao seu sótão, gesto que lhe permitiu a produção dos Ensaios e a companhia de um amor jovem e verdadeiro. Pensar, amar, passear, olhar pras cores do mundo e compromisso zero com a ‘realidade’ criada pelo penamento galináceo/católico do século XVI, intoxicado de Platão e ‘augustianismos-tomasianos’ floreados à ‘neon’.