segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Além do explícito!



Dias desses um amigo me disse que o mundo havia se tornado explícito por demais: nunca nos xingamos tanto, ao mesmo tempo em que nos menosprezamos com grande prazer, abraçamos o cinismo e a ironia como partes essenciais da vida e o sexo nunca foi tão fácil com essa nudez onipresente e global; além do fenômeno cultural que revela que a distância entre as narrativas vulgares da música popular − funk, sertanejo e pagodes –  e o modo de vida cotidiano, nunca foram tão próximos. Tudo é uma denotação. Vive-se o que se canta, o que se escreve e o que se diz. – Sim, o idealismo morreu. Detalhe: nunca fui um idealista, pensei que era, mas no fundo sempre fui mais um estranho à minha terra do que um idealista.
Em termos históricos se pode afirmar que, em décadas passadas do século XX, o essencial estava à margem e a realidade em si não era a realidade propriamente dita. A verdadeira realidade desejada ainda estava por vir num advento que causaria a elevação de nossas consciências a patamares superiores do pensamento e, por consequência, em nosso modo prático de vida. A subjetividade da arte, o sonho da política, a força da crítica e o conhecimento científico eram as autoestradas que nos ligavam a uma humanidade mais leve e aprazível e recheada de amabilidade, pra isso bastava seguir em frente.
Deveras, quero dizer que não eram as guerras ou as políticas de Estado o que representava a humanidade, mas sim os discos dos Beatles, os poemas de Pessoa, o cinema de Fellini, o sorriso de Brigitte Bardot.  A margem e a boemia resgatavam não só a juventude da caretice, mas a fazia sonhar com mundos e ‘selfs’ melhores.  Essa construção, ou autoconstrução, eram feitas num sentido evolutivo, um objetivo a ser alcançado. Ou melhor, como diria Weber, ações com espírito, com uma característica de mesclar a existência com o sonho. Sim, dessa forma podemos entender que o sonho faz parte da realidade, quando se relaciona com ela de maneira equilibrada e norteadora; o problema do sonhar está justamente na transferência dos sonhos coletivos para a política; em termos práticos, permitimos que grupos políticos passassem a sonhar a realidade por nós. No fundo é isso que escolhemos nas eleições: os sonhos ‘políticos’ de grupos partidários.
A contrapartida da tese do sonho como espírito da sociedade, passa pela afirmação dos conceitos existencialistas. Quero dizer: será que quando mergulhamos nessa instantaneidade do mundo virtual, avessa e árida em relação ao sonhar, que nos torna oniscientes, não só do que ocorre no mundo, mas que nos leva ao fim do polimento das relações humanas, − exceção em nossos enclausuramentos em grupos sectários e/ou afetivos − não se trata, no fundo, da mais crua realidade?  Tudo é o que é?
Hoje é muito mais fácil de se conhecer a humanidade do que no século XX. – Se vamos nos decepcionar ou nos surpreender, só a história dirá, ou isso vai depender diretamente do ponto de vista que desejarmos entender dos fatos. Não há esperança, somente existência e parcialidade em nossas exposições e análises críticas daquilo que somos, e do que o outro é, nesse mundo virtual e global; as definições já estão prontas antes mesmo dos fatos acontecerem.  As ‘soluções’ para a refinada decadência humana pós-moderna passam pela assepsia, amputação e confinamento das partes de nós mesmos diagnosticadas como ‘patológicas’, e isso com base em um senso comum que pratica o fim da polidez e exalta as grotescas ofensas com que divergentes se tratam on-line. Isso não seria outra coisa, senão um sintoma de veracidade extrema? Ou como diriam os existencialistas: eis o fim da maquiagem! - Não somos mais misteriosos uns para os outros.
Não há soluções que possam ser arquitetadas academicamente, fato que expõe nosso sistema educacional a um desnorteamento claro e óbvio.  Pensar, e logo concluir que se existe como indivíduo, não garante grandes alterações na realidade, talvez só aumente a sensação de impotência perante o desenrolar dessa mesma realidade que nos cerca. Ou nos juntamos a ela, ou a conduzimos com nossa arcaica concepção de avant-garde a lugares onde a atmosfera possa ser mais limpa. Isso, claro, se o consumo deixar.