Na mitologia grega tudo veio do Caos.
De baixo pra cima, da matéria pra luz, da desorganização para a organização. Por
isso rumamos à nossa fonte original, o Caos. Sentimos isso em nosso corpo, pois
no auge da juventude, tudo é vivo, a força da natureza flui através de nós sem
entraves, como se fossemos resistências elétricas; na física são chamados de resistores. Mas o tempo nos desgasta e
vamos rumando para uma degeneração lenta e constante. A força da natureza, pelo
contrário, continua firme e implacável. Nós, não.
Foi do Caos primordial, segundo
os gregos, que nasceram o céu, Urano, e Gaia, a Terra. E da constante cópula
entre Gaia e Urano, os primeiros Titãs; entre eles, Cronos. Urano não aceitava
os filhos e os devolvia ao fundo da Terra. Gaia, dessa forma, se rebelou contra
Urano e pediu a Cronos que castrasse o pai e assim foi feito. Isso explica porque
o Céu e a Terra nunca mais se misturaram. Cronos começou seu reinado ao lado de
sua irmã, Reia, mas tal qual o pai, tinha medo de perder o trono para os filhos e
os devorava. Reia, por sua vez, pediu a Zeus, o filho caçula, que matasse o pai,
Cronos, e libertasse seus irmãos de seu ventre. Assim Zeus o fez e, segundo a
mitologia grega, reina soberano até os dias de hoje no Olimpo.
Porém, o sangue de Cronos
escorreu pelo mundo e por isso o tempo, (Cronos), não cessa seu efeito sobre
nós, os pobres mortais. Percebemos isso quando nos relacionamos com os nossos
filhos. Como podemos ser bons pais se dedicarmos todo o tempo do mundo a eles e
nenhum a nós mesmos? Que tipo de pais seremos se formos desprovidos de ‘tempo’
para nossos próprios sonhos e desejos? Pessoas sem atrativo algum, descartáveis
e amargas, ou santos abnegados da própria vida? O contrário disso é o abandono
dos filhos, que poderão vir a ser qualquer coisa: de anjos a demônios, a seres
brilhantes e/ou opacos.
Já no cristianismo, Jesus obedeceu
ao pai. Que pena! Por que não fez como Zeus e mandou o pai às favas e casou-se
Madalena? Teria sido muito mais feliz. Nós, aqui embaixo, sempre damos um jeito
e vamos tocando a vida. ‘Jesus’ não entendeu que os pais devem ser destruídos,
metaforicamente, psicologicamente, pelos filhos. Quando nos tornamos adultos, deveríamos
entender que nossos pais são tão cheios de inseguranças, desejos, frustrações e
amores mal resolvidos tal como nós o somos. E isso deveria fazer com que
fossemos mais tolerantes uns com os outros. Essa é a base do amor universal,
entender que os outros passam pelas mesmas provações familiares que nós.
O Pai Eterno é o grande erro de nossa
sociedade. É fruto de uma anomalia, que tem como consequência a eterna
infantilização dos homens. Querer estar sempre sob a guarda de um Pai eunuco,
com barbas brancas, impotente, incapaz de produzir qualquer tipo de arte, é um
profundo desejo de não viver, o que Freud chamou de pulsão de morte. Amar a
Deus sobre todas as coisas é o mesmo que não se amar e deixar de viver. E lhe
digo mais, Cronos pouco se importa se você é católico, evangélico, budista,
espírita, ele vai corroendo sua vida sem pedir licença a ninguém. Então, meu
amigo, viva!
Se Deus, ou os deuses,
nos amassem mesmo, impediriam as doenças que nos acompanham em nossa jornada
sobre a Terra. Teriam nos feito como eles os são: imortais, viris, cheios de
arrogância, maldade e talento. O amor eu só encontrei entre os humanos, alguns
poucos, o resto são estátuas, mitologia, ou textos. O único deus que (re)conheço
é Cronos. Esse sim é real! Basta eu olhar no espelho. Você também pode fazer
isso: vide a si mesmo no espelho e então verá a Cronos. Não adianta rezar, ele
não ouve.