quarta-feira, 6 de junho de 2012

Dignidade




Basta apenas um segundo para se sentir caridoso, de mãos dadas com a bondade, em paz com os desígnios dos céus e de bem consigo mesmo, tudo isso naquele exato momento em que jogamos a esmola na mão suja e fedida do irmão mendigo, que nos pede migalhas. Pergunto: suas necessidades, seu sofrimento, sua angústia, solidão e desamparo existem para que os bons possam praticar o bem?
Antes que se pense numa resposta meramente binária, não acho que a esmola seja motivo para vaidade. Sim, aquele que dá a esmola o faz para mostrar a si mesmo como algo que incorpora o bem aos olhos dos outros: “vejam, eu sou bom, eu dou esmolas e quero aplausos, sou o melhor cristão que há!”. O glamour da misericórdia soa como hipocrisia que desfila diante da miséria da condição humana.
Eu nunca quis me alimentar da miséria para me tornar um homem bom e justo. É como num tétrico conto de fadas: o indivíduo acorda, abre a janela e agradece: “que bom que há bastante miséria no mundo, pois assim posso provar que sou bondoso”. É uma lógica bizarra, degradante e desonesta. O cristão, ao meu ver, deveria ser como o sal da terra: onde houvesse injustiça, que ele levasse a ética, e não o anestésico.
O Bom Combate é aquele que é feito diretamente contra a causa e não contra as conseqüências do mal. A causa da miserabilidade humana é a macroeconomia: enquanto chafurdarmos no Capitalismo, teremos degradação e gente jogada nas ruas, sem direito a dignidade. Mesmo que nas igrejas, — sejam católicas, evangélicas ou espíritas — se entregue cestas de alimentos, roupas e, às vezes, até carinho, de nada adiantará se faltar aos homens de boa vontade, o anseio pelo bom combate na construção de um mundo melhor e mais justo. Deve-se cravar a espada no coração do ‘Diabo’ e tombá-lo ao chão.
Ah! Imagino o quê Martinho Lutero não diria aos seus, que no Brasil intitulam-se evangélicos, se ele pudesse ouvi-los em suas pregações medievais e tacanhas, ao mesmo tempo em que se afastam das questões sociais. A doutrina protestante, no Brasil, se limita ao Mito da Criação: Adão e Eva, ao exorcizar do Diabo, ao estímulo de doações, às proibições dos direitos civis das relações homoafetivas e à glorificação da fraqueza no coração humano. O Homem nasceu para ser forte e justo. E não fraco e piedoso.
Devo, como um ser humano, lutar contra aquilo que faz meu irmão rastejar como um verme e não sentir-me feliz só porque lhe dei um par de meias furadas. Cristo não teve medo de lutar contra o mal que pairava sobre o mundo. Com um cajado em mãos, quis destruir o Templo dos Vendilhões, a Bolsa de Valores da época. Foi morto por isso. Em nosso tempo, quem destruiu o prédio da Bolsa de valores foi Bin-Laden. — Fique tranqüilo, eu não sou islâmico, há bastante racionalidade em mim.
Você deve estar se perguntando, — se é um humano de boa vontade —, qual então seria o cajado que devo usar para enfrentar esse Satã capitalista especulador moderno, que anda a destruir a Europa, e outras áreas do globo, e pode consumir o mundo todo?  A reposta é: a política. A dignidade vem pela implantação de políticas sociais. Sim, eu sou a favor da meritocracia, mas ainda não se conseguiu um sistema político/econômico, ao longo da história da humanidade, que integre a todos como numa grande ceia. Não acho normal que haja excluídos, mesmo que em pequenos números. Baixas taxas de desemprego e de miséria aliviam nossa consciência. E esse talvez seja nosso maior crime: omissão.
O capitalismo corrompe tanto a alma humana, que Vitor Hugo, escritor francês do século XIX, demonstrou em sua obra, Os Miseráveis, um mundo permeado por uma falsa meritocracia, onde os indivíduos confundem a ambição com a ganância e se comportam como vermes na luta por migalhas. A lógica de Hugo é clara: a pobreza material leva à pobreza de espírito. Dessa forma, ao indivíduo, só resta a degradação de si mesmo para sobreviver (vegetar) num mundo cruel e indigno.
Para evitarmos essa ‘ética miserável’ do capitalismo, precisamos de políticas sociais, tanto quanto de oxigênio. Aquele cartão magnético que permite ao seu portador a dignidade da privacidade de se poder extrair, de um caixa eletrônico, as parcas notas que irão possibilitar a aquisição de proteínas, carboidratos e vitaminas, necessárias para que seu corpo fique em pé, é sim, o início de um caminho à dignidade.
Enquanto o catolicismo, o protestantismo (evangélicos) e derivados não pagam impostos, no comércio de seus ‘objetos sagrados’ e mais doações que recebem, precisamos democratizar o máximo possível as políticas de Estado e os recursos que ele arrecada. Liberdade e dignidade é igual a poder viver com os seus, sem precisar pedir nada a ninguém, ao mesmo tempo em que se é capaz de ser fraterno e solidário.