Sim, o pastor
Feliciano transformou nossos ouvidos em penicos. Nunca imaginei que tanta
besteira pudesse sair de uma só boca. Menos ainda, que tanto dinheiro pudesse
sair das carteiras de seus seguidores, que nas filmagens de seus cultos,
postados no you tube, aparecem embasbacados, em terno e gravata, e lhe entregam
o suor do trabalho enquanto berram, “...aleluia! Eis meu Jesus!”
Eu já disse
que quando o pregador, católico ou protestante, tem uma formação teológica
limitada, quem paga o pato é Deus, que segundo interpretações bizarras, na
busca da fé através do medo e não do amor, se transforma em assassino,
chantagista e, também ao que parece, num racista.
Segundo o
pastor Feliciano, Deus matou John Lennon com três tiros. Um pelo pai, outro
pelo filho e o último pelo espírito santo. Como todo assassino volta à cena do
crime, Deus pode ser visto às portas do edifício Dakota, em NY, local onde o
corpo de Lennon foi alvejado. Pior, se o pastor sabia quem era o assassino de
Lennon, pois o mesmo havia lhe dito aos ouvidos à época, isso o torna um
cúmplice. Detalhe: o cúmplice também cumpre pena por assassinato. Sim, entramos
nas raias do absurdo, mas isso não é minha culpa.
Mas se você
não pode ir à NY para se encontrar com Deus às portas do prédio Dakota, por
questões de grana, vá até a serra da Cantareira, onde o avião dos Mamonas
Assassinas foi destruído, propositalmente, segundo Feliciano, e pelas mãos de
Deus. Segundo o próprio pastor, também esse ‘assassinato’ (acidente, a meu ver)
lhe foi pronunciado aos ouvidos, e pelo próprio criador. No mundo encantado do
Feliciano, Deus tem um caráter abaixo da linha de um George Bush. É mole?
Porém o pior
estava por vir: segundo pastor Feliciano, os negros são uma etnia amaldiçoada.
Como parte de meus ancestrais, — e ao que parece, também de 90% da população do
Brasil—, vem de elementos de origem italo-afro-luso-tupiniquim, também sou
amaldiçoado. Fico pensando em Pelé, amaldiçoado, mas que foi o rei do futebol.
Martin Luther King, amaldiçoado, mas que lutou, na América, pelos direitos
humanos. Ray Charles, amaldiçoado e cego, mas que deu formato à música
ocidental. Jimmy Hendrix, amaldiçoado, ‘inventou’ a guitarra elétrica. Machado
de Assis, amaldiçoado, e maior escritor brasileiro. A conclusão é instantânea:
será que Deus vai matar o Pelé? Pior: Joaquim Barbosa corre perigo?
Se engana quem
pensa que desejo o afastamento do pastor Feliciano da presidência da CCJ dos
Direitos Humanos, na Câmara dos Deputados. Quero é que ele permaneça e propague
os absurdos que carrega dentro da cabeça, para que fique cada vez mais óbvio o
quanto é nociva a ideologia conservadora de extrema-direita, que suscita o ódio
e a possibilidade de violência, onde antes havia a convivência pacífica e o pluralismo.
Quem coloca os intestinos no lugar do cérebro, inevitavelmente, transformará
suas palavras em excrementos. Quem sofre são nossos ouvidos.
Talvez o sonho
de Feliciano seja se tornar um novo patriarca, aquele que entrará triunfante na
Nova Jerusalém, pisando sobre os corpos mortos de todos os amaldiçoados,
puxando a mulher pelo cabresto, — aleluia à misoginia! — e nas costas da pobre,
vai um jegue montado. No mundo ‘feliciano’, o pensamento quadrúpede está acima
dos Direitos Humanos.
Pobre Feliciano, não sabe que Lennon e outros homens, assassinados por suas ideias, passaram a viver muito mais sem seus corpos, do que se tivessem atravessado a vida como homens comuns. No caso específico de Lennon, sua música se tornou universal e sua face eternamente jovem. Dessa forma, meu caro Feliciano, diga a seu fascínora de plantão, que o tirou saiu pela culatra: há mais Lennon com a ausência de seu corpo, do que se ainda estivesse entre nós, velho e de cabelo branco. E aproveita para dar uma chance à paz. Abraços fraternos.