Alá estava em seu jardim. Os deuses têm imensos jardins infinitos, e nada fazem por lá, a não ser andar de um lado pro outro. Um dia Alá chegou à fronteira de seu jardim com o de Jesus e, através da grade, o chamou. Jesus estava cabisbaixo. Disse que estava triste porque agora havia terroristas agindo em seu nome, com bombas e matança de gente. Alá sorriu e disse: “Você se acostuma. Tenho centenas de homens-bomba em minha consciência”. Mas isso não aliviou a barra de Jesus.
Assim, o deus do islã chamou Jesus para que caminhassem juntos. Saíram de seus jardins e caminharam por jardins menores, e num deles, havia um trailer que vendia cervejas e cachorros-quente. Era o trailer de Buda, que ganhava a vida honestamente. Buda sentou-se com os ilustres fregueses, pois não era todo dia que se recebia Jesus e Alá, assim, de uma vez só. Os dois consolaram o Deus cristão, pois eram seus amigos; mas não puderam deixar de dizer que, afinal, não era a primeira vez que matavam em nome dele, Jesus, e ele deveria saber disso. Jesus concordou, mas disse que sempre teve proteção da imprensa, mas dessa vez, na Noruega, não dava pra tampar o sol com a peneira.
Buda e Alá, diante de um Jesus tristonho, foram até a um campo de futebol nas proximidades do trailer do Buda. O futebol alegra as pessoas e lá foram os três, tentar esquecer as amarguras da vida. Para isso o futebol fora inventado. Se apresentaram na portaria e foram aceitos pelo treinador, que não era louco e não recusaria essa milagrosa participação.
Como o número de jardins no Universo é infinito, com um número infinito de deuses, há um campeonato de pontos corridos entre as agremiações celestes que ninguém sabe quando começou e nem quando vai terminar, dado o fato da somatória de números ser infinita.
Naquele dia jogaria o Tricolor da Angélica Aliança, contra o Alvi-negro dos Portos Estrelares. Jesus, Alá e Buda entraram em campo. A galera delirou. Jesus jogava meio estilo Ganso, distribuía bem e batia colocado com a esquerda; Alá, espécie de Neymar incontrolável, era só ataque; Buda ficou lá na frente, parado, espécie de Leandro Damião careca. Mas foi dele o gol da vitória do Tricolor.
Depois do jogo, os três foram para a balada com os torcedores e com as marias-chuteira. a balada durou milênios, porque assim são os dias dos deuses. Quando acordaram, estavam num imenso palácio, o palácio das Vaidades. Os três estavam sentados frente a frente, em círculo, num chão de vidro cheio de almofadas de cetim. Naquele palácio os três eram visitados constantemente por gente de todos os lugares; a maioria queria os autógrafos, pois depois daquela partida inesquecível, tornaram-se super-stars. Televisões, revistas, jornais, templos, bancos, escolas, exércitos e prisões só pensavam neles. Assinaram milhares de contrato de publicidade.
Mas eis que um dia, uma das portas do palácio se abriu e um bebê, um menino que estava prestes a dar os primeiros passos, entrou. Ele ficou em pé diante dos três e cambaleou. Parecia que iria cair no colo de Jesus, mas bem na hora se equilibrou e parecia se dirigir aos braços de Alá, mas de novo se re-equilibrou e quando todos pensaram que se entregaria ao Buda, o menino, ereto, controlando o próprio corpo, de novo, ficou em pé; e sem ajuda. Em seguida passou a caminhar livremente.
Com o domínio das próprias pernas, o menino olhou nos olhos dos três deuses que imediatamente começaram a se transformar em névoa, que desapareceu a flutuar além do céu; o palácio também desapareceu. Em seu lugar, uma estrada surgiu debaixo dos pés do menino, que já não era mais um bebê, mas sim um jovem adulto, que começou a caminhar de posse do próprio destino. Ele era o espírito da humanidade. Atrás dele iam os animais terrestres.
Longe, no horizonte, - seus olhos agora viam a Terra, - havia uma montanha com ar puro e água limpa em seu cume. A semente do homem pleno começou a escalar a montanha e, quanto mais subia, mais forte se tornava; além de viril e exuberante. A certa altura parou e olhou pra trás. Lembrou-se dos sonhos entorpecidos que tivera e lamentou o tempo que perdeu de sua vida, quando acorrentado a sentimentos tão medíocres e letárgicos.
Agora era livre para voar como uma águia e usufruir o máximo de si mesmo. ( e dançava a música que os tolos e os medíocres se recusavam a ouvir)
(aos amigos: estou querendo enviar está crônica ao jornal da cidade. minha mulher disse que dará rolo. será?).