Os elefantes partem para seu cemitério quando sentem
que a vida chegou ao fim. E o que fizeram de bom para que ela possa ter algum
significado? Inevitável, somente os elefantes podem responder a essa pergunta,
nem sei o porquê de fazê-la. É que fiquei intrigado: ao terminarmos com o tempo
que nos foi permitido, o quê devemos saber sobre a vida, o que devemos levar em
nossas mentes ao além-desconhecido?
Qual a importância das equações de 1º grau para quem
está prestes a bater as botas? Ou mesmo as precisas citações do Código Civil? Ou
a escalação do Corinthians, ‘o desclassificado’, do último campeonato paulista?
Ou até mesmo saber qual a importância de
Duque Caxias para o exército brasileiro? E quem saberia me explicar qual o
significado das reuniões administrativas que partem de lugar algum para
alcançar o nada? Ou mesmo da ideia de se saber que há ETs por toda a parte,
vislumbre perene de lunáticos?
Acredito que Moisés escondeu o décimo primeiro
mandamento, que dizia o seguinte: “Prepararás a caipirinha perfeita: gelo,
limão, cachaça e açúcar, os quatros sagrados elementos em equilíbrio, para
glória maior de seu irmão-marido, que haverá de bebê-la”. Minha esposa é herdeira dos segredos judaicos
da cabala e sabe preparar a caipirinha perfeita.
Acho que é esse tipo de tecnologia que devemos levar
conosco pras cidades flutuando no espaço, ao redor da Terra, como dizem os Kardecistas.
Aí sim, será um prazer habitá-las, e isso graças ao aumento das chances de se
beber uma caipirinha. Conhecimento levado da Terra para os homens santos do
espaço.
Entenderam agora a importância de se saber preparar
uma bela bebida? Isso pode mudar a qualidade de vida do além. Samba, suor e
caipirinha. Não quero adentrar na seara dos petiscos, mas uma caipira, à mercê
de um filé a palito, pode edificar o paraíso nas papilas degustativas e por
vários minutos. Um orgasmo para o paladar.
Se Jesus tivesse um pouco mais de tempo para preparar
a última ceia, teria servido caipirinha no lugar do vinho e com o pandeiro nas
mãos, entoaria o samba de Adoniram Barbosa, “...não posso ficar, mais nenhum um
minuto com você, sinto muito amor, mas não pode ser!”. Judas no cavaco, Maria Madalena
no reco-reco e Pedro no bumbo, dariam o toque de paixão de carnaval.
E antes do galo cantar, no momento da sétima
caipirinha, Jesus iria se levantar e dizer: “...um de vocês vai me trair!”. E antes
mesmo que terminasse a frase, Judas seguiria Maria Madalena até a cozinha, onde
os torresmos estariam prestes a mergulhar na gordura quente, e a couve
adormecida sobre a pia, em breve abençoada pela música de Chico Buarque a soar
no rádio, e a beijaria sem nenhum pudor. E tanto que seria o ardor que a abraçaria
como se fosse a última, como se a morte viesse com uma horda de romanos para levar
seu mestre e irmão ao flagelo da cruz.
Cristo morreu no sábado, na contramão, atrapalhando
o tráfego, sem erguer paredes sólidas de templo algum, sem forças para pedir ao
pai que afastasse dele esse ‘cale-se’, que normalmente os homens de negócios impõem
aos mortais goela a baixo, todo o dia.
A Judas só coube o exílio, e um eterno autoflagelo ao
cantar, todas as noites, nos botecos da vida, o samba canção: “..lábios que
beijei!”. E sofrer ‘ad infinitum’ por toda a vida, por ter beijado a mulher de
seu irmão, com a idea de que o amava tanto quanto Madalena, e isso o transformou
num homem louco, por consequência, num santo.
Violões, caipirinhas, Madalenas, beijos, Judas e
Buarques: o que há mais pra se fazer nessa vida?