segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Não era um dragão




Madrugada de sábado para domingo, eu estava assistindo, pela segunda vez, Madagascar 3: os procurados, no canal 164 — gostei da dublagem. Eis que minha mulher me chamou, um barulho esquisito dentro da cômoda de roupas, mais precisamente, na minha cômoda de roupas. Dei pause na TV e fui avaliar.  Realmente havia algo dentro. A primeira coisa que pensei foi num rato. Que horror!
Arrastei o móvel pela copa em direção à porta do quintal, seria uma tarefa para o outro dia. Porém, fiz uma parada forçada à mesa, aproveitei que o vinho estava ali, de boa, e me servi. Acordei meu cachorro, que normalmente dorme numa grande almofada e lhe indiquei o barulho. Ele abriu os olhos, se levantou e se sentou aos meus pés. Um guardião sonolento, não deu nenhum palpite. Depois fechou os olhos. Corpo presente, mas a alma ao longe.
Cortei alguns pedaços de queijo para acompanhar o vinho — os vinhos não são monogâmicos, não adianta a insistência — e o barulho continuava. Era um ‘tec-tec’ na madeira num ad infinitum instigante, e minha imaginação foi longe. Primeiro, pensei nos ratos, depois em cobras, depois em escorpiões, depois em morcegos, depois em baratas, depois em formigas. Resolvi beber mais vinho. Substitui o queijo por torradas com berinjela de conserva.
Puxei conversa de novo com meu cão e perguntei a ele em quem iríamos votar, em 2014. Ele foi enfático, “Dilma, é claro!”. Perguntei o porquê da certeza e ele respondeu, “...olha a qualidade da ração que você compra pra mim! Para alguém da classe trabalhadora, isso é poder aquisitivo!”. Concordei. Ele era um bom cabo eleitoral e ainda concluiu o assunto de maneira categórica. “...se o dólar estivesse alto, como muita gente quer, você não estaria bebendo esse vinho português, concorda?!” Meu silêncio era sinal que concordava em gênero, número e grau.
A madrugada avançou e junto com ela o tec-tec. Abri outra garrafa de vinho e minhas memórias pediram passagem. Iniciei um jogo comigo mesmo, tentei me lembrar da última vez que havia entrado numa igreja, mas foi impossível, um branco total; dei graças a Deus. Depois, da última vez em que havia me emocionado numa palestra qualquer, também não consegui nenhum registro positivo.
Teimoso, passei para o campo das festividades, busquei o melhor Natal que havia festejado. E o melhor, estranhamente, foi o que eu não fui. Ficara sozinho em casa, até que meu vizinho, Bruno, apareceu às 20hs00 e tentamos fazer um blues, que mais que parecia um chachado; ele se foi às 21hs00. Às 23hs45 minha mulher voltou da ceia familiar, nos deitamos e lhe dei uma taça de vinho. Assistimos ao filme, Vida de Inseto, de mãos dadas; rosto colado no outro. Inesquecível. 
Voltei das lembranças com o aumento considerável do tec-tec na cômoda. Achei que o fundo do móvel fosse ser rompido. Peguei meu violão e toquei o esboço de um instrumental em que estou trabalhando. O barulho cessou. O bicho havia pegado no sono. Levantei nas pontas dos pés e voltei pra cama. Continuei Madagascar 3. Depois dormi.
Noutro dia, coloquei a cômoda no quintal e chamei meu assessor para assuntos ligados ao meio ambiente, meu cunhado, e vasculhamos gaveta por gaveta. Nada, somente a roupa dobrada.  “...se havia um rato aqui, ele já foi embora”.  Concordei com o laudo que me apresentou e dei por encerrado o procedimento.
Colocamos o móvel no seu devido lugar e fomos comemorar a vitória com o vinho. Conversa vai, conversa vem, ele me perguntou se eu era do Partido Verde. Disse que não, que em 2014 iria votar na Dilma. Ele então me perguntou o porquê da escolha”. Plagiei meu cachorro e lhe disse, “...você reparou na qualidade do vinho que estamos tomando?”.