quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Os mestres de Lagado



A Universidade de Balnibarbos, país visitado por Gulliver numa de suas viagens, é conhecida como Academia de Lagado — Lagado é também o nome da capital de Balnibarbo. O viajante mais extraordinário da literatura ficou abismado com a maneira como a razão e a lógica eram maltratadas no local onde deveriam ser respeitadas e amadas pelos ‘mestres’ daquele mundo. E como a tolice é contagiosa, o estrago acontecia também com as Artes, que sofriam drasticamente uma metamorfose dita ‘evolutiva’. Num curso de Artes, por exemplo, Gulliver constatou ser comum começar um quadro pela moldura, e só depois chegar ao desenho propriamente dito, que é um mero detalhe, segundo conceitos de seus especialistas, e não a essência dessa expressão.
O mais agravante nisso tudo é que a Academia de Lagado, não satisfeita com a ação de seus ‘gênios’ em seu país, passou a exportá-los para onde houvesse necessidade de avanços civilizatórios. Conseqüência: há muito eles estão no meio de nós e ‘quase’ não percebemos mais suas ações, o que pode ser perigoso. Só que é relativamente fácil identificar um ‘mestre’ que veio de Lagado: postura altiva, posse da verdade e crença dogmática no próprio currículo, além de não enxergar um palmo à frente do nariz.
Foram os engenheiros de Lagado que criaram a concepção de como se pode aumentar a potência das rodas d’água: uma caixa d’água deve ser construída no alto de um morro, depois é só bombear a água do rio pra enchê-la. Terminada a primeira parte, deve-se construir outra roda d’água no alto do mesmo morro; basta abrir as comportas da nova caixa d’água e a gravidade faz o resto. Não sei como não pensamos nisso antes! Mas o fato é que essa patente é de Lagado. Imagine se algum gênio resolve adaptar tal processo na construção de uma hidrelétrica?
Em termos de precisão histórica, é possível indicar o início da atuação dos mestres de Lagado em nosso mundo. Mas acredita-se que eram eles que, em plenos anos de 1990, já estavam à frente do maior volume de exportação de milho que o Brasil conhecera até então. Ocorreram festas, reportagens nas TVs de todo o país, a ponto de Fernando Henrique Cardoso, então presidente, fazer discursos sobre a felicidade das exportações do milho.
Nem bem encerradas as comemorações, veio a notícia de que o Brasil exportara todo milho que tinha e precisava importá-lo de novo para a produção da ração dos rebanhos bovinos, suínos, caprinos e galináceos mais. Hoje se tem certeza que os mestres de Lagado tinham forte influência no governo Fernando Henrique. Mas graças aos céus, esse tempo passou.
Mas se engana quem pensa que os mestres de Lagado voltaram pra Balnibarbos após o fiasco do governo FHC. Muitos se tornaram engenheiros da petroleira ‘Chevron Desastres Ecológicos Marítimos S.A.’, alguns passaram a ministrar aulas em cursos de mestrados e doutorados, mundo afora, — e isso graças a um acordo internacional com a ONU.
Ainda tem mais: uma quantidade considerável tornou-se parte ativa da jurisprudência do Direito mundial. Há também quem diga que foram os mestres de lagado que projetaram a usina nuclear de Fukushima, no Japão, à beira mar e sobre uma fenda tectônica. Alguns mais privilegiados, de maneira secreta, se tornaram conselheiros dos investidores da Bolsa de NY, mais precisamente em 2008.
Não quero ser pessimista, caro leitor, mas este cronista pangaré que lhe escreve tem a obrigação moral de dizer a verdade. Eles, os mestres de Lagado, estão em toda parte e não é possível tapar o sol com a peneira. Acredito ainda que alguns se candidataram ao cargo de vereador para as eleições municipais de 2012. Estão em busca do sucesso na carreira política. Começaram sujando a cidade com toneladas de papel, ao mesmo tempo em que propagam um discurso à base de promessas para que a cidade seja mais limpa, ética e saudável.