quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

presente do cão magno


sinceramente, não sei o que pensar dos mortos. eu sei, sou uma plasta de carne rodeada de mortos num campo virtual de meu cérebro. quando penso neles, estarão vivos em minha mente? parece filme, como os pequeninos nos jardins dos gigantes, depois de um pouso forçado, de uma viagem à outra dimensão: Terra de Gigantes. acho que era esse o nome. Mary Shelley pegou pedaços de mortos e criou um só morto-vivo, mas o que importava era a eletricidade. será que os mortos estão dentro das faíscas dos relâmpagos? a alma do mundo é a eletricidade? atrás de minha face há um nada em 'três dimensões', como diria o filósofo Gerson Harrison Silva?

dia desses, eu e um amigo, sob uma imensa árvore, ele cristão, conversávamos sobre os mortos e ele me disse que era melhor esquecê-los. por isso havia deixado de lado o kardecismo, que era uma chuteira com os pregos virados pra dentro, impossível de não se machucar os pés nas trilhas. melhor era seguir o conselho dos judeus: deixe os mortos em paz, eles são tão traiçoeiros quantos os vivos, só que não morrem mais. um cristão propagando um conselho judeu. ironia das especulações sobre os mortos. melhor foi o que josé arcadio buendía descobriu, que se morria várias vezes, porque depois da morte havia outra morte e depois outra e depois outra até que a loucura nos abençoe em nada. não mais ectoplasma. do plasma se fez o o ectoplasma, depois o nada.

para vencer a morte é preciso seduzir o tempo, corrompê-lo com canções, sartre disse isso, mas não somos eternos dentro da canção que amamos; mesmo a trilha sonora de nosso velório ficará fora do caixão, acima da terra que nos cobrirá. a vida é uma eterna adúltera que amamos profundamente. ela escolheu o tempo como seu amante, a nós, pobres traídos, cabe a tarefa de pagar as contas: articulações doloridas, remédios para dilatar artérias, para afinar o sangue, para funcionar o estômago, para evitar o sol do câncer, o sonífero, o estimulante. gustave flaubert, pai e gêmeo de madame bovary, ou ela é ele mesmo, disse que não há vida sem ereção. panis et circense. 'eu quis cantar', mas minha voz já não há. estou preocupado em morrer, não o quero. nem hoje, nem amanhã, nem depois do fim do mundo anunciado pelos maias, em 2012. e não acho possível a vida após o fim do concerto. ironia é o outro nome de minhas conclusões a respeito da vida. nada é mais contraditório do que o pronome, eu... 'filho do amoníaco e do carbono', substâncias semi-eternas; eu não o sou.


o capitalismo é a grande tentação de nós todos, santos antãos, ele está nos coagindo, quer-nos bandidos, pilantras, dissimulados e qualificados nisso tudo; doutores. é a força centrífuga que nos impele privada abaixo. eis a iniciativa privada, fezes em redemoinhos na viagem ao centro da terra. Creonte atravessa tranquilo o redemoinho de águas fétidas. mas lá está o herói, afundando com orgulho, mãos pra cima, o redemoinho o está tragando, o que é aquilo com que está acenando? ahh, uma bandeira dos estados unidos, dessas de quermesse, ela é a última a desaparecer no horizonte do umbigo do redemoinho de fezes do hades. quem ele quer comover com esse gesto mel gibson?

eu e um amigo, sob uma imensa árvore, um cristão que dá conselhos judáicos, ouvíamos vinil. the piper at get down.

se somos todos poeira de estrelas, 'ora, direi ouvires estrelas' só pode ser o coração.