Cavalo de brinquedo
Eu era operário. E veio a crise e fui dispensado. Tive que procurar outra coisa para fazer. Meu tio, que me alugava o quarto dos fundos, com medo de ficar sem seu parco aluguel, me deu a idéia: “Seja um detetive particular, o que mais tem no mundo é mentiroso e mulher adúltera”. Aceitei a dica e fiz um curso por correspondência. Em duas semanas o equipamento de detetive chegou, e com um sobretudo marrom de brinde; junto veio um certificado. Eis a globalização.
Anunciei-me no jornal: Mário Mello, detetive particular; 3188-2209. Sentei-me à frente do aparelho e esperei a primeira chamada; mas foi a campainha da porta quem soou alto. Era meu primeiro cliente; mas veio até meu endereço que eu não havia publicado. Não consegui fazê-lo explicar como havia me encontrado, estava ansioso demais e olhava pros lados. Usava terno negro, óculos e um bigode sob um nariz adunco. Um chapéu amassado, cor de gelo, destoava de todo conjunto. Me fez lembrar Harry Crumb. Depositou cinco notas de cem no bolso do meu sobretudo e disse:
— Você precisa descobrir o mistério!
— Quê mistério?
— Sobre os Maçons.
— O quê?
— O grande arquiteto deles tem algum mistério. Descubra-o.
Virou-se e foi em direção à rua. Fui atrás e segurei-lhe o braço. Estava pronto para devolver o dinheiro, mas ele fechou a cara e foi enfático.
— Pergunta pro seu tio sobre o aluguel; ele também desconfia do grande arquiteto. Há um segredo a esse respeito e quero saber. Eu volto para saber os detalhes. Até.
As cinco notas de cem me convenceram. Ao voltar pra dentro de casa me deparei com o velho tio. Me fez uma palestra sobre os Maçons que terminou no muro das lamentações. Fui pro meu quarto e tomei o resto do conhaque. Pensei num grande arquiteto, mas só me vinha em mente os caras que construíam museus. Dormi.
Noutro dia fui à loja maçônica. Não imaginava começar por outro lugar. Era um prédio cafona, com pilares de gesso. No hall havia um guarda e me dirigi a ele, mas antes olhei pra parede e vi um quadro no formato de um papiro, com uma frase surrada: “Hiran é nosso carnavalesco”. Assim que terminei de ler, o guarda me disse:
— E uma bela frase, não acha?
— Sim; é do arquiteto?
— Não, é de Salomão.
— Claro. Eu confundi.
— Mas o quê o senhor deseja?
— Saber a respeito do Grande Arquiteto.
— Ali, no guichê C.
Percebi que havia guichês no hall, um com a letra C e outro com a letra D. Perguntei ao guarda qual era a diferença entre eles.
— D, é pra quem sabe quem é Hiran; C é pra quem não sabe.
Me aproximei do guichê e uma mulher de óculos e cabelos presos perguntou o quê eu queria. Eu disse sem pestanejar:
— Qual é o mistério sobre o ‘Arquiteto’?
Foi como uma bomba. Assustada, me disse:
— São mais de três mil anos de espera. Nunca pensei que sairia de minhas mãos o segredo.
Se levantou e foi até o cofre; depois me entregou um envelope lacrado e se foi. O guarda havia sumido. Em casa meu cliente já me aguardava. Pegou o envelope de minhas mãos, rasgou e leu de maneira ansiosa; suspirou e se foi.
Corri até o papel, que ficou jogado no chão, e li:
“O arquiteto é ruim de matemática, por isso morremos todos antes dos cem anos e somos imperfeitos e por isso precisamos de viagra, cachaça, Almanaque Sadol, novelas, além de qualquer hemorróida e/ou unha encravada nos derrubar”. Pensei: “Com arquiteto desses, quem precisa de inimigo?”