quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

‘O Planejumento’


Certa vez um sobrinho me perguntou se eu não queria ‘dar um mergulho’ num dos balneários de nossa região. Era o fim de um janeiro belíssimo. Pra ele o mundo estava em férias plenas, totais e irrestritas. Disse-lhe, com profunda tristeza, que a ‘Escola’ já havia voltado ao trabalho, era o período de ‘planejamento’, que ao longo da vida apelidei carinhosamente de ‘planejumento’. Portanto não poderia ir ao passeio. 
A pergunta foi inevitável: “Tio, o que é isso?”. Respondi que aquilo tudo que ele via na Escola, ao longo dos anos, era planejado, apesar de parecer o samba do crioulo doido. Tentei suavizar e disse que era o lugar onde os professores aprendiam a ser menos do que eram.
Sempre imaginei os ‘planejamentos’ como lugares onde se poderia discutir textos polêmicos, assistir filmes, ouvir música, entender a arte, pensar nos rumos éticos da ciência e, mais do que isso, buscar uma estética do ensino, uma reviravolta antropológica na maneira de ser e pensar. A primeira pergunta que se deveria fazer aos professores era se estariam de acordo com o mundo à sua volta, ou não. Em outras palavras: amor fati, ou vontade de potência? Dois conceitos de Nietzsche: devo amar a realidade à minha volta tal como ela é? Ou devo querer o máximo de mim mesmo e, por consequência, mudar o mundo?
Mas longe das ideias de Nietzsche, os ‘planejumentos’ servem, única e exclusivamente, para transmitir as ordens dos empresários da educação, no caso da educação privada, e dos parâmetros do Estado, casa ela seja pública, aos professores sobre como devem agir no ano que está por começar. Um monumento ao fascismo. Enquanto o poder de decisão do processo de ensino e aprendizagem estiver fora do livre arbítrio dos professores, a Educação estará sempre sobre tutela, o que é uma contradição, pois ela sugere a libertação do processo crítico. Como algo baseado numa patologia pode funcionar a contento?  
Foucault já dizia que o ‘Poder’, em nossa sociedade, atua em ações microfísicas inerentes à convivência dos indivíduos rotulados e auto-rotulados por funções e cargos, e é nessa trama de relações, baseadas essencialmente na coerção, e na possibilidade do descarte da ovelha que vier a trilhar, filosoficamente, caminhos próprios, que se desenrola o ‘Poder’ do fascismo de maneira despudorada e abjeta; eis a apoteose do capitalismo.
Nem Marx, nem Nietzsche, nem Camus, nem os Beatles, nem Zeca Balero, nem Saramago, nem Antônio Cândido, nem Fritjof Capra, nem Einstein e uma série de pensadores estimulantes podem ser encontrados num planejamento, somente a velha e boa burocracia decadente, amarrada a uma ‘legislação de diretrizes de bases’ que não escolhemos e que alimenta uma tecnocracia incapaz de se tornar sustentável e, menos ainda, de libertar a sociedade das crucificações diárias de Josés, Marias, Pedros, Belarmindos, Reginaldos e similares das planilhas de custos das Empresas Privadas e/ou das Escolas do Estado. 
Apesar de proletários, precários e descartáveis podemos, para glória maior do Sistema, postar um perfil no facebook e curtir, comentar, e sei mais lá o quê, sobre as últimas do Big Brother. Por isso canto a boa nova em alto e bom som: Senhor! Como somos felizes! Senhor! Como somos felizes! 
PS: é o capitalismo quem eu chamo de Senhor. 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A posse da própria História


Alguns baluartes da ‘direita’ ainda não conseguiram entender o mal que a ditadura militar causou ao Brasil. O primeiro equívoco é sobre a tutela política: nenhum poder externo pode intervir no debate político, nem no desenrolar das decisões populares. Cria-se, dessa forma, um poder paralelo, e todo poder paralelo é criminoso, governos eleitos democraticamente não necessitam de anistia, como ocorre, atualmente, com os gorilas assassinos da ditadura, soltos, leves e sem peso na consciência.
Toda ação tem uma reação. E os males da ditadura estão diante dos olhos daquele que, pelos menos, trafega na linha básica do senso crítico mínimo. Nos anos de chumbo não se podia discutir planejamento familiar, a ocupação do território nacional, o papel e o grau de liberdade das Universidades, a cultura era vista como subversão, a fome um desígnio de Deus e tudo mais que cheirasse a política social, como o atual Bolsa Família, era rotulado como ‘coisa de comunista’. Ledo e Ivo engano, os programas sociais estimulam a circulação do dinheiro e capitalismo como um todo.   
Aos cegos de plantão, guiados pelas lamparinas de Reinaldo Azevedo, Pondé, Magnoli, Merval Pereira, todas à base de um querosene fascista, e que ainda não conseguiriam entender que o golpe de 1964 se iniciou com um profundo processo de corrupção, é tempo para abrir as portas de sua mente e permitir que a inteligência tome um chá em sua sala de estar, para que você entenda a própria História. Entenda: a visão crítica é um elemento de libertação poderoso na vida dos indivíduos. Diga-se de passagem, este é um pensamento de esquerda.  
Empresários de SP, segundo Egydio Martins, ex-governador de SP, em depoimento à Comissão da Verdade, ‘contrataram’ grande parte dos coronéis do exército para que derrubassem Jango, em 1964; tinham medo de uma guinada comunista. Como se sabe, os militares não se contentaram somente com a derrubada de Jango, mas sim com a tomada à força do poder e fim de papo. E até aqueles que os contrataram tomaram pauladas. Assim, quando o ranço conservador midiático atual grita que estamos a caminho de Cuba, porque estamos recebendo médicos cubanos do programa Mais Médicos, vivemos o mesmo script de 1964, mas com outros personagens.
Sim, o pensamento de ‘direita’ é assexuado e flerta com o masoquismo. Acha que os indivíduos sempre necessitam de um poder ‘externo’ a ele, a ponto de lhe impor o que deve dizer, escrever, votar e rezar. A característica da direita é confundir o Estado com Deus. Como elemento da esquerda, acho que o Estado, historicamente, deve se moldar ao comportamento antropológico dos indivíduos, aquilo que expressamos através da cultura.
‘Culturalmente’ não queremos a fome, o desemprego, a violência, a corrupção (muito pior nos governos de direita); queremos arte, tempo livre para lazer, debate político, liberdade de expressão, mas sem monopólio empresarial midiático, e um sistema educacional que estimule a visão crítica dos indivíduos.
Em 1962, o jornal O Globo, da fundação Roberto Marinho, trouxe a seguinte manchete: 13° salário pode ser desastroso para economia. O que você acha? O 13° foi desastroso pra nós, como sociedade? Se dependesse dos Marinhos ele nunca se tornaria lei, pois era ‘coisa de comunista’.  E tudo se repete em 2003, quando o então presidente Lula aumentou significativamente o programa Bolsa família, a voz geral do fascismo de plantão era que, em breve, o Brasil se tornaria um país de vagabundos. 2014 e temos o mais baixo índice de desemprego. 
Entenda: se você acredita na Globo, na Veja, nos debates da Globo News, da Folha de SP, no Joaquim Barbosa, é mais do que claro o sintoma: você é um forte candidato ao Oscar ‘pelo conjunto da idiotice que compõe sua visão dos fatos’. É uma ‘nova velha’ categoria de Hollywood.