quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O cristianismo cristão



O Papa Francisco I, a cada declaração que faz, surpreende o mundo, sobretudo os conservadores, a malta, a chamada corte e seus asseclas, que se apossaram da Igreja e a transformaram num Estado totalitário fascista, obcecada pelo aborto, homofóbica, preconceituosa para com a sexualidade e exclusivista. Leonardo Boff chamou a isso de cristianismo pagão, porque remete aos primeiros papas que se comportavam mais como imperadores romanos do que como líderes cristãos.
Foi com papas dessa estirpe, entre eles Leão I, que a Igreja cresceu ao longo desses dois mil anos: força, corrupção, segregação e intolerância foram impostas pelos líderes católicos, ao longo da história do Ocidente. A prática institucional superou a própria teórica cristã de amor ao próximo, solidariedade, aceitação do livre-arbítrio nas questões morais, políticas e sobretudo, nos anseios de liberdade.
Por isso, quando Francisco I diz que “não há um Deus católico, mas sim um Deus universal, ou quando afirma não ter poderes para julgar um gay que procura a Deus, e que também as mães solteiras devem ser recebidas de braços abertos”, — até mesmo as que fizeram aborto — algo de luminoso surge no fim desse túnel assombrado e decadente que é o cristianismo institucional, na pós-modernidade.
De Leão I, no século IV, a João Paulo II, os papas se comportaram como imperadores romanos, ansiosos pelo poder, pela riqueza e praticantes de uma agenda que permitiu o surgimento de ‘facções’ conservadoras e sádicas no seio do cristianismo. São grupos que se especializaram em estimular o masoquismo em seus seguidores, enquanto cresciam política e economicamente. Foi essa Igreja totalitária que permitiu o surgimento da Opus Dei, da Renovação Carismática, a Sociedade São Piu X, Fraternidade de Comunhão-Libertação, Legionários de Cristo, ou seja, um amontoado de soldados conservadores e reacionários, fanáticos por temas que mal conhecem e não dão um passo sem citar Satanás.
Assim, quando Francisco I pergunta a um de seus seguranças, que está em pé a mais de seis horas, se ele não tem lugar para se sentar, e vai ele próprio buscar uma cadeira para um homem, um simples funcionário do Vaticano, até então invisível pelos olhares ‘bondosos’ do cristianismo institucional, e o gesto ganha força nas redes sociais e na própria imprensa tradicional, fica claro o sentimento de que a Igreja vem errando em tempo integral, quando se trata de amar ao próximo. Há mais cristianismo nesse gesto de Francisco I do que em todo pontificado de João Paulo II. — Opinião desse pobre cronista.
Não é à toa que muita gente já se pergunta, e também o faz aqui e acolá, se não vão matar esse papa também, a exemplo do que aconteceu com João Paulo I? Sinceramente, espero que não. Há vários tumores no seio da Igreja que precisam ser extirpados. Não sei se apenas um pontificado seja o suficiente para vencê-los. Ou se quando findada a ‘rádio-químio-terapia’ iniciada por Francisco I, algo de saudável venha a sobrar dessa Igreja que conhecemos. O problema é se constatar que a cura só poderá ser alcançada com o fim da Instituição.  Toda ela, ao longo de todo esse tempo, nada mais foi do que um imenso cancro e seu extermínio imediato, a única maneira de libertar o Cristo da patente farisaica.
Os povos pré-colombianos, que não eram cristãos, já diziam que na vida, às vezes, é preciso destruir para se construir algo de novo sobre os escombros da decadência, da demência, da corrupção, do sadismo, de tudo isso junto que vamos criando, mas que temos de ter a sensibilidade pra jogar fora.  
Que assim seja! Avante, Francisco I.