Robert Frost, um poeta americano, escreveu um dos mais belos poemas do Ocidente, a Estrada não trilhada. Quando se viu diante de dois caminhos, o poeta escolheu o menos usado, aquele que ainda estava coberto de folhas secas e praticamente não era sinalizado. Essa escolha, menos usual, diz ele ao final, fez toda diferença em sua vida.
Uma bela metáfora para se explicar o sentido de nossas vidas, que diz respeito às nossas escolhas. O princípio da mediocridade está relacionado diretamente com as escolhas óbvias, os discursos prontos, e a profunda ‘especialização’ de se copiar e reproduzir aquilo que já existe.
Se olharmos pela ótica de Frost, perceberemos que o mundo acadêmico pós-moderno, mais perdido do que cego em tiroteio, tem como objetivo o estímulo aos caminhos usuais para a ‘lapidação’ do ser e sua suposta evolução, pois é assim que construímos um mundo melhor. Diga-se de passagem, um mundo saturado de caminhos prontos para o consumo.
É como se dissemos, uns aos outros, através de várias bibliografias: “não seja criativo, alguém já pensou por você e escreveu aqui, nessa página, nesse livro”. Conseqüência: o conhecimento passa a ser simplesmente a citação do que um autor escreveu. Eis uma escolha segura, um caminho usual, já bem trilhado e com profundas marcas de cascos sobre a terra.
Manuel de Barros, considerado por muitos o maior poeta brasileiro vivo, disse que quando recebe publicações de teses de mestrados sobre ele e sua obra, ao se debruçar numa leitura, passa a conhecer aspectos que até então desconhecia sobre si mesmo. Com a profusão de teses e artigos, o caminho mais usual para se conhecer Manoel de Barros é aquele em que nem ele mesmo se enxerga, mas que será a ‘verdade’ acadêmica sobre ele. Melhor escolher um caminho coberto de folhas, e ainda por se fazer: a leitura do que o poeta escreveu com os próprios punhos.
“...e se fôssemos todos cegos?” Perguntou a si mesmo, nosso mestre maior, José Saramago, quando começou a escrever o Ensaio sobre a Cegueira. Faço aqui um pequeno deslumbre de visão própria: a escrita de Saramago é tão niilista, tão reveladora da hipocrisia humana, que não nos cabe outra escolha senão a de amarmo-nos uns aos outros. Há um fio de esperança em toda aquela escrita desprovida de fé na humanidade. À remoção do veneno atuante sobre o corpo social, — depois de tantas palavras escritas e acusações ácidas feitas pelo mestre —, entenderemos, finalmente, que o Homem sempre quis ser bom. Foi a maneira como escolheu para agir sobre o Mundo que o tornou um ser abjeto e medíocre.
Além de cegos, abjetos e papagaios, somos todos feitos de Carbono. E o Carbono é pra isso mesmo: passar pra outro o que lhe riscaram na pele. Ou seja: alcançamos o nível das notas fiscais de três vias, em termos de filosofia, literatura, música e derivados. — Abra os olhos e poderemos ir muito além do sentido ontológico de uma nota fiscal. Eu creio nisso.
Bem, se você não entendeu a crônica, paciência. Fique apenas com a dúvida: agimos sobre o mundo para construí-lo, ou para crescermos como seres supostamente pensantes? Abraços, att., Sávio.