A
festa já havia alcançado aquele limiar em que o próximo passo era o trágico. Em algum lugar uma torneira inundava o chão, as pessoas já não dançavam mais, apenas
curtiam os pés estalando na água, papéis desmanchavam em papas, alguém iniciara uma guerra de tomates e o pequeno apartamento ia sendo melecado junto a um volume estridente de risadas. Enfim, era a hora de partir.
Jack
desceu escorado pelas paredes, a escada não era assim ‘tão difícil’. Manteve o
cigarro na boca, 'entendia' que enquanto pudesse retê-lo entre lábios, logo teria
condições de andar 'normalmente'. Chegou a questionar se estava aceso ou apagado, mas saber isso naquele momento, não lhe traria benefício racional nenhum. Pessoas subiam e desciam,
parecia o metrô, mas aonde iriam àquela hora?
Milagrosamente chegou ao patamar. Agora só faltava um andar. Viu uma senhora com lenço
cobrindo bobs gigantescos na cabeça. Ela tinha um vestido estampado, parecia a bandeira
do Havaí. Como seria a bandeira do Havaí? Melhor acenar. Olhou pra ela e até
achou que se estivesse um pouco 'mais alto', a coroa daria um bom caldo. Mas ela
bateu a porta junto de um sonoro palavrão. Só depois ele entendeu que a festa ocorria
sobre o apartamento dela.
Finalmente,
no térreo, alcançou a porta da rua. Ventava muito, pelo menos parecia. Foi até
a esquina e sentou-se num ponto de ônibus. Conversou com a lata de lixo. Falou
sobre Victor Hugo, Emile Zola, Fellini, Celine e Marcel Duchamp. Não sabia nada
sobre Duchamp, mas a lata de lixo não se importou. Desistiu da conversa quando
a lata achou que poderia contar sua vida, suas desilusões, seu renascimento
numa igreja qualquer onde falavam de Abraão, Moisés e Cristo.
Entrou
no primeiro ônibus que parou. Não importava o destino. Sentou-se ao lado de uma
mulher, quase da sua idade. Ela virou o rosto. O ônibus partiu. Ele colocou a
mão no meio das pernas dela, na altura dos joelhos. Um tapa estalou em sua cara.
Ele se assustou: Ei, não acha que está na hora de discutirmos nossa relação?
Vagabundo, nunca te vi na vida? Estamos só nós dois nesse quarto de hotel, QUALÉ?!
Gambá fedorento! Ei, Linda, vamos nos beijar...igual no colegial? Meu
nome é Vilma! Amore mio!
Os
outros passageiros ouviram mais um tapa. Antes que o motorista dissesse alguma
coisa, pediram para que ela mudasse de lugar. Ela passou por ele pisando
em seus pés na busca por outro banco. As pessoas riam: Ei, Linda, isso é um
divórcio? Se dependesse de mim seria um velório? Hã? O seu velório! Ei, quanta
violência!
Jack nunca soube dizer por que desceu num ponto da praia. O sol estava nascendo. Resolveu
caminhar na areia. Viu pessoas correndo, outras meditando, outras namorando e
alguns bêbados dormindo ao léu. Resolveu dormir também. Deitou-se ao
lado de seus semelhantes e ouviu rumores, burburinhos. ‘Monólogos debates’ que
ainda perduravam. Então confessou: Moçada, nunca soube que em minha cidade tivesse
praia!