Somos
insignificantes. Não sabemos o que se passa na mente de um simples cachorro, de
um grilo, de um vaga-lume, menos ainda o que as formigas pensam. Nossos
próprios pensamentos nos são desconhecidos. Quem é aquele que eu vejo diante do
espelho e que envelhece sem minha permissão, dia a dia? Quem são esses que
formam minha família? Quem são os estranhos que nunca conversaram comigo?
Desconhecemos
o interior de um computador, seus desejos e mecanismos e sua capacidade de
processar. Apenas vislumbramos em sua tela, os códigos que ele permite que
olhemos. Das entranhas de um automóvel, pouco sabemos sobre sua dinâmica. A
relação de alteridade que cada peça tem com a outra, para que o movimento se
dê, livre sobre o asfalto, enquanto rola Pink Floyd no CD, nos é um mistério. -
Mesmo desconhecendo o mecanismo do automotor, meu pensamento pode ir longe,
divagar muito além do ‘deus me livre’, enquanto descanso minha carcaça no
confortável banco reclinável e olho a paisagem a zunir.
Quando
olhamos uma estante de livros, quantos deles desconhecemos profundamente e
nunca, sequer, lhes tocaremos o dorso. E ainda mais: os horizontes dentro de
suas páginas serão sempre uma luminosidade que manter-se-á distante de nossas
mentes, destinadas ao calabouço das trevas que edificamos com a nossa ideia que
sabemos de tudo e o pior, de que temos opinião formada por bases sólidas. Somos
seres abissais, mergulhados na própria percepção binária, ‘criadores’ de
verdades universais impositivas, por vezes, fascistas.
Não
sabemos o que existe além do Sistema Solar e fora especulações e fotografias
turvas, estamos abandonados no que achamos ser o infinito. Olhamos pra Lua e
não sabemos muito sobre esse satélite; o mar diante de nossos olhos, habitado
por seres que nunca, jamais, possivelmente, venhamos a conhecer, é ainda um grande
amigo desconhecido.
Mas
há quem diga que conhece os mistérios do mundo só porque lê mil páginas à
noite. Há ainda outros que afirmam, categoricamente, que conhecem a verdade e
dela são fiéis procuradores, e podem, assim, vendê-la, otimizá-la,
transformá-la num estandarte de símbolos e teorias fabricadas. No fundo isso
tudo é só a corrupção da fantasia humana.
Porém,
os piores homens são os picaretas que aparecem na televisão, católicos e
evangélicos, e que berram sobre o quê se passa na cabeça de Deus, diante de uma
massa anestesiada, que ouve impassível sobre o desfile do ‘pensamento’ de Deus
finalmente ‘traduzido’. Como é que esses caras sabem o que se passa na cabeça
de Deus? Simplesmente porque leram um livro, escrito por outros homens, há mais
de 3.000(?) Ou só porque sabem ‘tudo’ da mitologia judaica, logo conhecem Deus
intimamente (?)
Como
diria o poeta, tudo isso é um grande caô. Mostrar-se absolutamente confiante ao
discursar sobre o que se passa na cabeça de Deus, torna o produto mais
confiável, assim ele vende bem, e muito. E a consequência disso e o
enriquecimento dos fariseus, em batina e/ou terno e gravata, para saborear as
delícias da boa e velha materialidade do mundo. Conforto material adquirido com
ganância e estelionato teológico.
Daqui alguns dias,
Jesus será crucificado novamente. Claro, em termos simbólicos. Vai pra cruz
somente com uma túnica, sem nenhum tostão no bolso e sem ter construído nenhum
templo que viesse a extorquir dinheiro de seus fiéis. Mal ele sabia que, nesses
2000 anos, seria ‘seguido’ por uma horda de sepulcros caiados que usaria sua
imagem para alcançar poder e riqueza. Apesar de ter o coração cheio de amor,
ele não tinha ideia do que fazia.