Henry Ford
iniciou a produção de carros em 1901. Tornou-se uma obsessão produzir cada vez
mais rápido e mais barato o mesmo bem de consumo. Sua idéia era que a qualidade
do automóvel, sua durabilidade e eficiência, seriam a melhor propaganda. Mas um
dia foi alertado a respeito da superprodução de carros que nunca quebravam;
isso poderia levar a uma paralisação da produção.
Recebeu em seu
escritório alguns homens que pertenciam a uma sociedade secreta. Não tinham
nome, usavam ternos negros e óculos escuros; todos se pareciam com o louva-a-deus,
aquele inseto predador de aparência dócil.
A Sociedade Secreta do Consumo tinha uma lógica simples: a ‘massa de
indivíduos’ da modernidade precisava sentir-se sempre insatisfeita, ansiosa e ‘ciente’
que só a posse de um novo bem de consumo poderia lhe fazer menos triste. — Hoje
chamamos a isso de obsolescência programada.
Ford entendeu
que o estímulo à demanda era imprescindível para que ele continuasse a vender
carros, então assinou com a Sociedade Secreta do Consumo e contratou uma
agência de propaganda, especializada em estimular ‘necessidades’ nos indivíduos’. E de resto, todos sabem o que ocorreu com a
indústria automobilística. Porém, ainda pouco se sabe da evolução dos
tentáculos da Sociedade Secreta do Consumo, que passou a se intitular,
secretamente, Sociedade Secreta do Crime (SSC) e ampliou seus negócios para o
campo sócio-cultural-político-econômico.
A lógica
desenvolvida pela SSC é tão simples que ninguém percebeu sua adaptação aos
vários setores da sociedade: se um homem médio, que trabalha full time, está
sempre insatisfeito e sente-se menos mal ao ‘comprar’ algo, haverá de reagir da
mesma maneira se sentir-se injustiçado. Sentirá necessidade de comprar justiça.
Ou pelo menos sua sensação. Só pode haver demanda por justiça, se houver uma
alta e sofisticada produção de crimes que o leve a desejar contratar um
advogado.
Assim a SSC
disfarçou-se numa série de ordens e sociedade legais, afinadas com discursos
constitucionais, mas por detrás da fachada, os mesmos homens de preto, com uma
ninhada de louva-a-deus, organizavam o crime; desde ao batedor de carteiras, ao
ministro do supremo tribunal, que comercializa habeas corpus de processos
verdadeiros ou não, isso pouco importa. Kafka tornou-se café pequeno diante dos
ministros das supremas do mundo ocidental.
Se no caso de
Henry Ford as agências de propaganda eram suficientemente eficazes para semear
‘falsas necessidades’, no caso da produção de crimes arquitetados pela SSC,
isso não seria possível. Tal função passou a ser feita pela mídia. Noticiando
crimes e mais crimes, o telespectador sente a necessidade contínua de contratar
um advogado. O rábula, proporcionalmente, se torna uma espécie de item
imprescindível de uma nécessaire administrativa,
tal como o batom das secretárias.
Dessa forma,
para ampliar a demanda, os rábulas da SSC passaram a agir nas portas das
cadeias, nas portas das farmácias, com seus processos que obrigam o Estado a
comprar medicamentos que já são distribuídos gratuitamente. Finalmente chegaram
ao Congresso, onde, através do financiamento de campanhas, comercializam as
leis das Constituições dos países ocidentais e 'democráticos'. Uma prática chamada, carinhosamente, pela
mídia, de Lobby.
Traficantes,
seqüestradores, bicheiros, jornalistas, empresários da informação,
contrabandistas, juízes, promotores, padres, pastores, pais de santo, todos vivem nas sombras das ordens institucionais dos rábulas,
são os marionetes, aqueles que mantêm a demanda do crime em alta e as burras da
SSC transbordando, normalmente depositadas num país de isenção fiscal. Afinal,
os impostos são insuportáveis.
Evidente, este
é um texto de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Mas até mesmo Deus, quando terminou sua obra maior, ‘nós’, e estava a contemplar-nos
e em meio a lágrimas, ouviu o anjo Gabriel dizer-lhe, “Senhor, se eles forem
felizes, logo esquecerão do Senhor!” Deus se assustou com aquela constatação.
Logo ele, o ser perfeito, poderia ser esquecido. Melhor não correr o risco.
Pediu a Gabriel que chamasse Lúcifer e depois a sós, com o próprio futuro filho
das trevas, ordenou-lhe: “Desça, e não deixe que eles se esqueçam de mim!”