domingo, 17 de fevereiro de 2013

Ford, a OAB e o consumo




Henry Ford iniciou a produção de carros em 1901. Tornou-se uma obsessão produzir cada vez mais rápido e mais barato o mesmo bem de consumo. Sua idéia era que a qualidade do automóvel, sua durabilidade e eficiência, seriam a melhor propaganda. Mas um dia foi alertado a respeito da superprodução de carros que nunca quebravam; isso poderia levar a uma paralisação da produção.
Recebeu em seu escritório alguns homens que pertenciam a uma sociedade secreta. Não tinham nome, usavam ternos negros e óculos escuros; todos se pareciam com o louva-a-deus, aquele inseto predador de aparência dócil.  A Sociedade Secreta do Consumo tinha uma lógica simples: a ‘massa de indivíduos’ da modernidade precisava sentir-se sempre insatisfeita, ansiosa e ‘ciente’ que só a posse de um novo bem de consumo poderia lhe fazer menos triste. — Hoje chamamos a isso de obsolescência programada.
Ford entendeu que o estímulo à demanda era imprescindível para que ele continuasse a vender carros, então assinou com a Sociedade Secreta do Consumo e contratou uma agência de propaganda, especializada em estimular ‘necessidades’ nos indivíduos’. E de resto, todos sabem o que ocorreu com a indústria automobilística. Porém, ainda pouco se sabe da evolução dos tentáculos da Sociedade Secreta do Consumo, que passou a se intitular, secretamente, Sociedade Secreta do Crime (SSC) e ampliou seus negócios para o campo sócio-cultural-político-econômico.
A lógica desenvolvida pela SSC é tão simples que ninguém percebeu sua adaptação aos vários setores da sociedade: se um homem médio, que trabalha full time, está sempre insatisfeito e sente-se menos mal ao ‘comprar’ algo, haverá de reagir da mesma maneira se sentir-se injustiçado. Sentirá necessidade de comprar justiça. Ou pelo menos sua sensação. Só pode haver demanda por justiça, se houver uma alta e sofisticada produção de crimes que o leve a desejar contratar um advogado.
Assim a SSC disfarçou-se numa série de ordens e sociedade legais, afinadas com discursos constitucionais, mas por detrás da fachada, os mesmos homens de preto, com uma ninhada de louva-a-deus, organizavam o crime; desde ao batedor de carteiras, ao ministro do supremo tribunal, que comercializa habeas corpus de processos verdadeiros ou não, isso pouco importa. Kafka tornou-se café pequeno diante dos ministros das supremas do mundo ocidental.
Se no caso de Henry Ford as agências de propaganda eram suficientemente eficazes para semear ‘falsas necessidades’, no caso da produção de crimes arquitetados pela SSC, isso não seria possível. Tal função passou a ser feita pela mídia. Noticiando crimes e mais crimes, o telespectador sente a necessidade contínua de contratar um advogado. O rábula, proporcionalmente, se torna uma espécie de item imprescindível de uma nécessaire administrativa, tal como o batom das secretárias.
Dessa forma, para ampliar a demanda, os rábulas da SSC passaram a agir nas portas das cadeias, nas portas das farmácias, com seus processos que obrigam o Estado a comprar medicamentos que já são distribuídos gratuitamente. Finalmente chegaram ao Congresso, onde, através do financiamento de campanhas, comercializam as leis das Constituições dos países ocidentais e 'democráticos'. Uma prática chamada, carinhosamente, pela mídia, de Lobby.   
Traficantes, seqüestradores, bicheiros, jornalistas, empresários da informação, contrabandistas,  juízes, promotores, padres, pastores, pais de santo, todos vivem nas sombras das ordens institucionais dos rábulas, são os marionetes, aqueles que mantêm a demanda do crime em alta e as burras da SSC transbordando, normalmente depositadas num país de isenção fiscal. Afinal, os impostos são insuportáveis.
Evidente, este é um texto de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Mas até mesmo Deus, quando terminou sua obra maior, ‘nós’, e estava a contemplar-nos e em meio a lágrimas, ouviu o anjo Gabriel dizer-lhe, “Senhor, se eles forem felizes, logo esquecerão do Senhor!” Deus se assustou com aquela constatação. Logo ele, o ser perfeito, poderia ser esquecido. Melhor não correr o risco. Pediu a Gabriel que chamasse Lúcifer e depois a sós, com o próprio futuro filho das trevas, ordenou-lhe: “Desça, e não deixe que eles se esqueçam de mim!”