terça-feira, 29 de março de 2011

GERMINAL




os vencidos, arrastados pelo mundo,
o sol na carne, a dor do sereno, os pés ardentes.
sem pão, casa, afeto, cheios de pecados.
o céu os espera, deus é quem quis assim
e alastra dores.

os sinos da cristiandade anunciam o sol das oportunidades.
calvino diz: 'sem dinheiro não há eleitos'.

os vencidos, os esquecidos, ninguém se lembra que são fortes.
resistiram à degradação do caráter pela intoxicação burguesa.
a burguesia é a ferrugem da alma.

protegem seus filhos do hálito da miséria.
a miserabilidade quase os vence na luta por migalhas.
a esperança é uma roupa velha, uma oração silenciosa,
as pegadas aram o chão que não os pertence.
os corpos murcham pela ação dos quatro elementos.
o frio dói menos que o cinismo do direito natural.

os vencidos se arrastam como restos humanos
deus é permitido, marx fescenino,

só um pouco de sossego, pão, pouca pressa, um balanço, um filho com livro nas mãos,
um lugar pra descansar o cadáver.




segunda-feira, 28 de março de 2011

Xintoísmo - Japão


Santuário Xintoísta, à beira mar, não causa vazamento de radiação




"O xintoísmo caracteriza-se pelo culto à natureza, aos ancestrais, pelo seu politeísmo e animismo, com uma forte ênfase na pureza espiritual, e que tem como uma de suas práticas honrar e celebrar a existência de Kami (em japonês), que pode ser definido como "espírito", "essência" ou "divindades", e é associado com múltiplos formatos compreendidos pelos fieis; em alguns casos apresentam uma forma humana, em outros animística, e em outros é associado com forças mais abstratas, "naturais", do mundo (montanhas, rios, relâmpagos, vento, ondas, árvores, rochas)".



Longe de suas origens, a natureza não perdoa as navalhadas do Japão moderno

domingo, 27 de março de 2011

Eu vi 'o Sicko', do Moore...


Eu nunca entendi o niilismo, mas já chafurdei nele, como o sábio vazio com rótulo de leite longa vida estampado no peito. O mundo é pensamento. Estradas que se entrecruzam. Liberdade é somente no mundo onde se deve pagar por tudo, quanto mais privado, mais livre, modernidade é isso: pagar. Ditadura das ideias privadas.

E segue assim o fluxo de pensamentos. A estrada social deve ser abandonada aos seus buracos, os japoneses estão sempre certos por sua disciplina, por sua capacidade de recuperar estradas, por seu desejo de batizar os filhos com o nome da empresa no lugar de seus sobrenomes. Já me puxaram a orelha na escola quando cometia erros ortográficos e ninguém pergunta aos japoneses o porquê de uma usina nuclear sobre a fenda de uma placa tectônica e à beira-mar. Privatizaram o senso comum.

Fazemos tudo errado no Brasil, votamos contra a 'opinião pública' (oito anos de Lula), somos retrógados porque acreditamos no SUS, porque podemos encontrar remédios à base de troca pelos impostos que pagamos. Somos sociais, somos atrasados, não somos como os americanos com seus carrões bacanas e seus cartões-de-crétido ilimitados, os desues do tempo é dinheiro. Queria que todos tivessem o complexo de Michael Moore. Mas o CQC, o Pânico e o Mainardi, desserviços neo/privado/fascista(s), fazem da imbecilidade o norte do senso comum brasileiro que assiste à globo-news e pensa ser a referência do que é o melhor na construção do mundo, que não pode parar e refletir, pois o mundo privado não deixa, é um crime parar e pensar. O mundo é 'despensado' infinitamente pelo liberalismo, mas isso é ser moderno, galente; tem até Oscar pra isso: e o troféu da melhor privatização vai para...

No 'totalitarismo da ideia privada' o mundo privado é a apologia das fezes. (perdoem a redundância)


Quem precisa ser social para ser livre?



Hino Social, chega de trabalhar pros vermes de wall street






sexta-feira, 25 de março de 2011

A terceira ponte

A terceira ponte

Eu estava na rodoviária de Passa Quatro, MG. Pedi a mulher do guichê que me desse uma passagem para Cruzeiro, SP. Enquanto ela carimbava e calculava o troco, eu olhei as montanhas ao redor da cidade e disse:

— Quando estou em Cruzeiro e olho pra essas montanhas, digo que lá é Minas Gerais; agora que estou aqui, digo que lá é o estado de São Paulo.

A mulher me olhou, cara de poucos amigos, disse:

— Ora, faça me o favor! A essa hora do dia!

Peguei minha passagem e fui esperar num banco à frente da plataforma de embarque. Foi quando vi um homem de calça de algodão esgarçada, amarrada com cipó, cabelos brancos, camisa de cor indefinida e um saco de estopa que transbordava alfazema. Sentou-se ao meu lado e sorriu. Depois apontou um pequeno redemoinho no meio da rua. Voavam poeira e papéis de bala, enquanto me dizia:

— Redemoinho é quando o vôo do olhar do cachorro dá voltas, pra ver se tem rabo também.

Foi a melhor definição de redemoinho que já tinha ouvido. Nunca gostei da idéia de que o Diabo, segundo Guimarães Rosa, vivia dentro dele. Era só jogar uma peneira com uma cruz desenhada na palha e apanhar ‘o coisa ruim’. Bom, acho que misturei Lobato com Rosa. Mas isso não tem importância.

O homem que via o olhar do cachorro dando voltas no redemoinho, me convidou para ir a pé para Cruzeiro. Descer a serra para encontrar Bernardo na terceira ponte, seu amigo desaparecido. Eu fui. Paramos na Santa, mãe negra de Deus de olhar voltado para o Vale.

Um menino de cara triste, mas de sorriso, nos vendeu uma cesta de amoras. Descemos pelo asfalto na cesta, dois meninos num trenó de palha, desgastando a estrada e comendo amoras. Em meio às curvas arrojadas, me lembrei do cometa Halley; ninguém pensa mais nele. Paramos na terceira ponte. O homem velho olhou pro Paraíba e gritou. Sua voz era de amigo que procurava o irmão perdido no tempo:

— BERNARDO!!! BERNARDO!!!

Ele me disse que se em Cruzeiro existia a terceira ponte, então também haveria de ter a ‘terceira margem do rio’. Seu amigo, homem tão substancioso como um rio e tão puro como uma árvore, dessas que tem ninho de coleirinha, remando sem parar numa canoa de Jatobá Tupi, poderia estar por ali. Mas de maneira triste foi o silêncio quem respondeu.

Eu tinha esperanças e fui com ele até a segunda ponte. É onde sempre vejo homens andando sobre a água. São canoas de lata, cheias de areia. Os homens do porto de areia pescam areia, a canoa de lata fica tão pesada que a borda vai quase abaixo do nível da água, barriga submersa. Sobre ela o homem de chapéu de palha. De longe parece que ele anda sobre as águas. Talvez Bernardo se encontrasse ali. Mas o velho me respondeu:

— É belo os homens sobre as águas, mas Bernardo não pesca areia. Conta histórias pros peixes que dormem na areia, olhando a lua.

Ele se foi ao ouvir o rangido de um carro-de-boi que passava naquele instante. O condutor do veículo bovino deu-lhe a mão e ele achou lugar na carroça. Ainda ganhou um chapéu pra amenizar o sol. Foi quando me lembrei que não havia perguntado seu nome. Corri atrás do carro-de-boi, os caminhões da segunda ponte buzinavam, tinham pressa, sempre, mas consegui alcançá-lo.

— Ei! Qual é seu nome?

Ele sorriu e acenou, tinha óculos e um bigode ralo:

— Manuel de Barros.

E se foi, especializando o mundo em nada e em outras estripulias.


quinta-feira, 24 de março de 2011

Rodin


A lua na longa noite dos esquecidos.

Melhor ser feliz em tempo e sobre o trigo.

É lua da semana santa,

O “senhor” é morto.

É a hora da bagunça.

Ele não nos vê, assim não julga.

Queres eu da lua sonho.

Saciação.

Ardência. Serenidade. Explosão!!

Queres eu da lua minha amada.

Pele branca. Seios fartos.

Ejacular-se-ia acordes em sol.

À luz da lua, luz florestal,

luz fosca da lua,

ao bronze dos olhos pássaros,

é noite.

terça-feira, 22 de março de 2011

A rosa de Chernobyl, Hiroshima & Fukushima


Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada


domingo, 13 de março de 2011

A Saudade




A vida não começa aos 40. Pelo contrário, é quando inicia seu declínio inevitável e não menos belo. É como dobrar a esquina e topar com a saudade sentada no banco da praça. Ela tem olhos claros, usa véus em tons pastéis e tem sempre um sorriso no rosto; além de uma voz macia, “Onde você esteve, nesse tempo todo?” Depois dos 40, o mundo não é mais novidade, “foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar”.
Ultrapassados os 40, comecei a pensar no quanto de estrada ainda me resta. Penso nos livros que não poderei ler, em quantas garrafas de vinho deixarei de beber, no desaparecimento lento das pessoas que fizeram parte de minha história; filmes e músicas ficaram para trás. Mas a saudade é carinhosa, na minha casa de criança havia um pôster de Bridgit Bardou, onde ela aparecia com um chapéu de um carvoeiro. Zeca Baleiro fez uma canção que diz, “a saudade é Bridgit Bardou acenando com a mão, num filme muito antigo”.
Dias desses, passei a me lembrar dos shows que assisti no Brasil F.C.: 14 Bis, Belchior, Guilherme Arantes, Alceu Valença. No show do Alceu a gente gritava alto, “morena tropicana, eu quero seu amor, ah! ôi ôi ôi!”. Cheguei de manhã em minha casa, a aurora dizia às criaturas da noite que era hora de dormir, e tava lá minha mãe passando café. Sem dizer bom dia, disse: “daqui eu ouvi o morena tropicana”.
Dos carnavais eu sempre me lembro do formato do Cruzeiro F.C.: um clube como um tacho de boca pra baixo, as paredes eram curvadas nas bordas do salão, “vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval”. Essa música tem, nesse meu naco de saudade, o formato das paredes do Cruzeiro F.C., é só ouvi-la e me lembro dos bailes dentro do tacho. Colombinas e odaliscas com os umbigos de fora.
Diante da dama vestida em tons pastéis, posso olhar pra trás, ver por onde o rio passou. Mas ela também, a Dona Saudade, tapa nossos ouvidos, dedo em riste sobre os lábios e diz, “escute!”. Trata-se de um alerta. É que o mar está próximo, é onde o rio acaba. Podemos ouvir claramente o barulho do mar. “O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito!”.
Quando olho bem no fundo dos olhos da saudade, já disse, ela tem olhos claros, quero dizer-lhe que não há mais poesia no mundo, que a juventude se divorciou da arte, e que tudo é sem sentido. Mas de novo com o dedo sobre os lábios, me diz que sou eu quem mudou e é quem está se apagando lentamente; e isso não é somente belo, como também é assustador. Mas esse ‘assustar-se’ é silencioso e é a vida que é assim mesmo: ‘e é bonita, é bonita e é bonita!’.
Pro tempo que me resta não tenho projetos, posso dizer que só quero é segurar nas mãos da mulher que amo, e deixar o carrinho descer a montanha russa do jeito que tiver de ser. É minha única vitória diante do mar que está por vir. Talvez o pior dos mundos seja o de ficar para trás. — Imaginar-me em pé, diante do túmulo onde adormeceu a companheira que escolhi para seguir a vida toda, e compreender que ali, sob a terra, seu corpo está se esfarelando, é o maior dos pesadelos futuros. Por isso é melhor ir ‘na frente’, como diz o dito popular: a dor é de quem fica.
Ao se viver de saudade é sinal de que a morte, uma mulher de roupas escuras, negra como a noite, salpicada de estrelas, está no mesmo jardim que a saudade e só alguns bancos à frente. É a hora que nos tornamos bígamos, uma mão para a saudade e outra pra morte. Até ensaiamos uma dança lúdica, como nas rodas do jardim da infância. ‘Saudade e Morte’ sorriem enquanto bailam ao redor do homem que já alcançou a metade do caminho.
Enquanto rodopiamos o carnaval silencioso, quero dizer-lhes de novo, com aflição, que tenho medo de ficar diante do túmulo daquela que amo quando for preciso. Um adeus com gosto de eternidade é atroz por demais. Mas elas são indiferentes ao meu desejo de pactuar, e não me darão a garantia de que irei à frente, tornando-me livre dessa dor do mundo. Então levam às mãos à boca como se fossem conchas, como no coro do teatro grego, e dizem juntas:
— Pobre mortal, a poesia é isso mesmo!


sábado, 12 de março de 2011

Jornais e petróleo - Crônica publicada pelo jornal Classe Líder, em Cruzeiro-SP. Acho que o Dandi vai gostar.

Às vezes falta inspiração para escrever uma crônica. É a hora de assistir algum jornal televisado. Todos os jornais de todas as emissoras têm uma capacidade infinita de noticiar bobagens; quando não mentem descaradamente. Penso eu que, por vezes, eles mesmos acreditam no que dizem; ou é a pressa que os transforma em patetas e sem que eles o percebam. Me protejo da TV com um livro. Machado de Assis é ótimo pra isso: ele impede que os raios magnéticos nocivos dos jornais televisados nos transformem em seres ruminantes.

Quando se iniciaram as manifestações pela queda do ditador Gaddafi, na Líbia, o Jornal Nacional, da rede Globo, exibiu a bandeira do Líbano ao fundo de seu cenário azul e não a da Líbia. O casal de apresentadores foi fundo na pesquisa. Só errou a bandeira do país. Realmente estamos diante de um jornalismo confiável. Por isso tenho preferido não assistir, mudo de canal quando o assunto é a Líbia; acompanho mesmo é pelos blogs; um deles é de um amigo, o ‘Inferno de Dandi’.

Noutro dia, passava desavisado diante da TV, e ouvi a apresentadora do canal Globo News, — que nunca desliga, segundo jargão do mesmo, mas que incrivelmente nunca deu um furo jornalístico —, veicular mais informações sobre a Líbia. Ela disse que os EUA não iriam participar de uma possível invasão das tropas da OTAN à Líbia. Essa decisão caberia à Europa, mais precisamente à Itália, que como sabemos, acende uma vela pra Deus no Vaticano e outra pro diabo na Líbia, pois a ditadura de Gaddafi mantém a terra da pizza em dia com o petróleo. Mas voltando, deu pra entender a notícia: EUA fora do possível combate; só de camarote.

Depois veio uma outra notícia, e ainda sobre a Líbia: um porta aviões americano havia passado pelo canal de Suez, no Egito, e se preparava, àquela altura, para se posicionar à frente do litoral líbio. Realmente somos bobos, ou eles ‘não perceberam’ que uma notícia contrariou a outra. Se os EUA não vão invadir a Líbia, por que posicionar um porta aviões no litoral líbio? Talvez para facilitar o trabalho dos paparazzi, sedentos por uma última foto de Gaddafi com um de seus modelitos esquisitos.

Interessante, e não menos confuso em termos analíticos, é a conseqüência inevitável dos tumultos na Líbia: o aumento do preço do petróleo. No capitalismo qualquer conflito favorece aos especuladores que, normalmente, nunca ‘têm relação nenhuma com o fato em si’. Prá nós, no Brasil, é bom porque as ações da Petrobrás sobem. E, diga-se de passagem, Fernando Henrique Cardoso — perdoe a citação, caro leitor — queria vendê-la ao capital estrangeiro, só para poder dizer ao mundo que o Brasil era moderno porque privatizava estatais durante seu ‘governo’.

Imaginemos o comprometimento do abastecimento de petróleo, de uma maneira geral, causando inflação e uma estagnação da produção industrial, em função das revoltas nos países árabes. O que seria de nós, pobres brasileiros, nessa hora, sem a Petrobrás e o Pré-sal? Não me venha com esse papo de energia eólica.

Por isso é bom jogarmos na defesa. Tal como Monteiro Lobato havia dito, durante a ditadura Vargas, e por isso pegou cana: “O petróleo é nosso!”. Então por analogia, Pré-sal neles! Além disso, é um bom momento para a Europa dar um exemplo ao mundo e abandonar de vez o petróleo como fonte de energia.

O Greenpeace deveria ‘invadir a Europa’ e gritar ao mundo que ela mantém ditaduras para obter petróleo barato e ainda polui o meio ambiente. Que horror, o velho continente ainda usa combustíveis fósseis! É hora dos países desenvolvidos utilizarem fontes de energia renováveis e abandonar, de vez, seus discursos acusatórios de que, nós, nos países em desenvolvimento, vamos destruir o mundo.

quinta-feira, 10 de março de 2011

São Thomé das Letras












Cidade onde fiz meu 'easy reader', em 1984-86.


Hoje a cidade foi disfigurada pelo turismo banal e por um excesso de misticismo alienado. Lá rola uma energia diferente, porque a montanha onde está a cidade é de pedra. Ficamos longe dos minerais. Nos tormanos terra sobre a pedra, não só condutores do que há entre céu e terra.
Zé Ramalho tocou lá, dias desses. Minas Gerais













A música do Caetano, Canto de um povo de algum lugar, me lembra a cidade. A letra traduz o que a cidade já foi um dia. Hoje é só mais um ponto turístico bancado pelos cartões Visa e derivados. Visnu perdeu para Visa.

quarta-feira, 9 de março de 2011

A lua

Sua obscura luz azul nos molha à noite e nos anestesia em meio a árvores. O céu fica mais calmo. À sombra em noite lunar, se percebe o verdadeiro clarão do satélite. Tudo parece calmo, em câmera lenta. Flutuante.

Somos seres flutuantes no céu lunar. Os passos não fazem barulho, o chão se transforma em nuvem. A lua nos encanta, nos guia na rota misteriosa de nós mesmos. Quem olha pra ela vira poeta, ao menos por um instante. É o que basta: olhar a lua e ser poeta.

Poeta é aquele que olha pra lua e não vê só a lua. Ela pode ser tudo, mas podemos começar pelo sonho. Ou pelo o que não é lua.

Já viu quando o vento carrega nuvens diante dos olhos da lua? As nuvens parecem o tempo passando diante de nós. Me deixo levar, pois ela também se deixa levar para qualquer lugar. Acompanha o carro em movimento como um anjo vigilante. Paralaxe é o nome do fenômeno. Ela sempre nos segue, pra qualquer viagem. Tanto a mim, quanto a você. E podemos não estar no mesmo caminho. Paralaxe!

—...vou casá com a lua!!! Vou casá com a lua!!!

Essa frase não é minha. Pertence a um homem que era louco, livre, que fazia fogueiras na beira da estrada de ferro. Dormia nas ruínas da estação ferroviária, nas ruínas do próprio país. Dentro da cidade.

Tinha um bigode ralo, mexicano, com cabelo preto, liso, um índio. Ficava dizendo que iria casar com a lua. Diziam que fora um renomado professor de matemática, expulso da própria casa por uma maldosa família. Perdeu o fruto de seu trabalho. Nome: Zé Porquinho.

Sua loucura era composta de vários mundos. Havia os dias lunares e as viagens ao país da aritmética. Estava sempre alheio, mas bastava ouvir a pergunta sobre um cálculo qualquer que respondia imediatamente:

—...raiz de 25, quanto é?

—..é 5!!

Uma precisão absoluta.

Mas havia dias em que o mistério tomava-lhe a alma e parecia querer libertá-lo dos números, daquela maldita memória exata que todos forçavam-no a reviver, só para alimento do deboche.

Agora sei que sua proteção vinha da lua. Ela sentia seu sofrimento, sua agonia numeral e libertava seus sonhos. Os números que fosse para o meio da beirada. E não adiantava forçar a barra.

—..3 X 3 é quanto, Zé Porquinho?

—...72!! vou casá com a lua, ...33, vou casá com a lua!!!

Sua figura não saiu de minha memória. Ainda vejo a lata de óleo vazia sendo usada como panela em meio a restos de madeira. Ele agachado, coçando a cabeça, os pés no chão, um sorriso estático, preso em algum lugar que eu não tinha acesso. Eu tinha tanta coisa em minha casa, menos a coragem para viver tal como ele: livre. Dar um chute no sistema e ficar olhando a lua, com o direito a errar contas. As recriminações não teriam efeito, o deboche não mudaria o quadro, a caridade seria só a caridade, mais nada. Só faltou minha coragem.

Ele era o caçador de luas, o amante das nuvens. Meu!! Que inveja!

—Vou casá com a lua, com a lua, com a lua, com a luuuuaaaaaaa...



terça-feira, 8 de março de 2011

Robert Johnson

Allman Brothers

Robert Johnson

Perguntaram ao irmãos Allman, qual era o segredo do blues que tocavam.
Resposta: ouvímos muito Robert Johnson e improvisamos muito.



segunda-feira, 7 de março de 2011

Wolf, Page e Bonamassa: pai, filho e espírito-santo


Os uivos de Howlin Wolf foram absorvidos pelo Zeppelin de Page...



Depois entregues a Joe Bonamassa. Os lobos e o blues sobrevivem ao tempo


Joe Bonamassa


'Lupinada' em concomitância com Lupinum

domingo, 6 de março de 2011

Julio Cortázar














Poucos escritores me impressionaram tanto como Cortázar.
Um mundo sombrio e adormecido dentro de nós, traduzido num realismo fantástico.
No 'espírito' humano não há só anjos, deuses, deusas, heróis.
Há também o musgo, os insetos, os gatos, os cães, os vermes, os dragões; aranhas!
Os gatos seriam as aspirações transcendestais dos cães?


sábado, 5 de março de 2011

Baco, carnaval nas brasas de Pompéia

Afrescos de Pompéia - as três graças

Encharquei o sangue de vinho.

A escada me levou ao sol etílico.

Passei nuvens de pernas lisas.

O mar se partiu em faixas de som.

Encharcado de vinho o cipreste e liso.

Sinto o calor feliz humanidade.

O vinho é a chama da boca santa.

As mãos tocam o sino da alegria clara.

Riachos conduzem memória diamantes.

Olhos faiscando luz perdoada de luxúria.

É o vinho caminhante na sanguínea casca.

A procissão de Baco nas terras barrocas.

Larva em pó retirante. Eu, filho do porre!

Inverno-verão-primavera-solstício.

Rodopiando em meio ao salão do baile.

O globo de isopor girando, cheio de pedaços de espelhos.

A máscara é de carne mesmo.

terça-feira, 1 de março de 2011