quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A USP e a Rocinha: Acrópoles?

Clique na imagem para ver melhor o significado da Acrópole


Os fatos não são, essencialmente, suas próprias exibições midiáticas; o desempenho de cada um no palco da mídia, nem sempre é o que parece. O dano maior está na interpretação coletiva do que eles são em sua origem, performance e conseqüência. Em outras palavras, a pertinência da análise do senso comum com os fatos em si, é o que nos constitui como nação.

Desse modo, nas invasões das tropas do Estado na USP e na Rocinha é preciso, antes de mais nada, diferenciar os dois espaços: a USP é, supostamente, para edificação do pensamento livre. Já a Rocinha, uma área à margem da sociedade, criada ao longo da história pela incapacidade administrativa da elite política do Brasil, em termos de inclusão; assim se transformou num paraíso bizarro, onde as drogas são comercializadas livremente, com base numa força armada que chegou a ter ares de Estado paralelo — Estado este nada democrático, diga-se de passagem — que tinha uma sanha pior do que a do Estado burguês e seu eterno romance com investidores/especuladores do capitalismo digital; e onde a vida do indivíduo valia muito pouco, numa lógica mais cruel do que a do “tempo é dinheiro”. Que fique claro que não se pode mais romantizar o crime, tal como ocorria nos anos de 1960/70. Não há ‘nem’ um ‘Robin-Hood’ nos morros do Rio de Janeiro.

Assim, nas invasões do Estado na Rocinha, pode-se entender a manutenção de direitos constitucionais, que passam pelo acesso aos serviços básicos essenciais (coleta de lixo, água tratada, rede esgoto), além do direito de expressão, de ‘ir e vir’ e mais a implantação básica de um dos conceitos de Montesquieu, iluminista do século XVIII, que dizia: “nenhum Estado pode ser constituído onde um indivíduo teme o outro”.

Ao contrário, a USP jamais deveria ser invadida. Vejamos os motivos: Primeiro, deve-se questionar como a sociedade entende o sistema de educação. Quer dizer, que papel a Educação tem dentro da dinâmica sócio-política-cultural-econcômica? Segundo: ao que parece, o senso comum entende o sistema educacional como uma seção dentro de uma grande empresa, que é a própria sociedade, uma visão impregnada de taylorismo/fordismo e infelizmente, recheada, futuramente, de ‘toyotismo’. Terceiro: como pode um sistema educacional ser um sistema educacional, se ele sempre está correndo atrás de concepções administrativas modernas otimizadoras para entender a si mesmo? Eis a premissa da tragédia, — e que Kant nos proteja, — mas o Capital é a priori e a educação, a posteriori. Mãos dadas com o fracasso, qualquer capitão do mato é capaz de dar a ordem: “baixa o pau nos estudantes!”. Poucos os dotados de massa cinzenta diriam, “o quê realmente vocês querem dizer com isso tudo, com todo esse protesto?”. Ninguém em sã consciência se limitaria a dizer que isso tudo é em função de cigarros de maconha.

Podemos assim perceber o grau de nossa catástrofe: um senso comum que não é capaz de entender o significado da Educação e de sua relação com o pensamento livre, só pode eleger ‘inépcias’ para cargos públicos e assim iniciamos nossa espiral de valores negativos, onde a troca de livros, — arte, música e teatro — pelas planilhas, — uniformes, armas e sistemas de vigilância, — se tornaram, cada vez mais, sinônimos do processo civilizatório.

Nossa civilização, creio eu, tem sua origem nas concepções grego-clássicas, em uma de suas contribuições mais fecundas: a capacidade de autocrítica que se desenvolveu na Ágora, praça dos debates, terreno fértil que gerou a Democracia.

Assim vejo a USP, e as outras Universidades públicas, como as Acrópoles do pensamento livre: simbolicamente a parte alta de onde vêm os valores e as críticas que nos orientarão como sociedade. É fato que hoje são espaços pobres, tanto financeiramente, quanto culturalmente; claro, culpa das administrações neoliberais, afinal a prioridade é o Capital e não o ser pensante: e essa é, infelizmente, uma de nossas premissas civilizatórias: Capital a priori; cidadão a posteriori.

E interessante que no Rio de Janeiro, a parte alta, as Acrópoles bizarras não planejadas são os morros, as favelas. A elite, à beira-mar, consome todo pó e todo THC e coisas mais que se comercializam nas Acrópoles (favelas). Mas é ela quem mantém, com seus tributos, a força de choque que implanta a ordem constitucinal, e com seus lucros, o próprio comércio ilegal de substâncias proibidas. E como questionaria Sócrates, o mais estóico dos filósofos, “é possível uma civilização se edificar com base na hipocrisia?”