sábado, 25 de fevereiro de 2012

Boemia


Há coisas mais importantes na vida do que as notícias dos jornais. Na ânsia por uma desalienação, esquecemos do vento, de Alberto Caeiro, das noites de lua. “Meu chapa, o violão se tempera com luar e cachaça”, levei mais de vinte anos para entender isso; um velho ensinamento de um boêmio que conheci bem.

Há coisas mais importantes na vida do que a política que nos rodeia. Quanto mais Estado, menos artistas somos, e sem a arte, o oxigênio torna-se supérfluo. Um desperdício. Por que então chegamos até aqui?

Há coisas mais importantes na vida do que a tecnologia das engrenagens otimizadas pela especulação. O desenho límpido de uma criança, com giz de cera, numa parede branca num lugar qualquer: quarto, senado, escola, rua, banheiro. Aquele corpo comprido, com cabeçona, e olhos assimétricos. Desenho. Quem precisa de mais?

Há coisas mais importantes que os patéticos ascéticos das religiões, das ideologias, da cinéfila, da exaustão do mundo que auto intitula pós-moderno; quantas vezes se repete a mesma coisa?

O mais importante é estar à mesa que sustenta a cevada gelada, “deus engarrafado”, como disse Dylan Thomas; o trazeiro ao qual você se acopla depois que o galo anunciou a manhã, e você pode continuar deitado ali, se aquecendo, fruindo e fluindo; a canção que você pode escrever sossegadamente às três horas da tarde...