Eu tinha um profundo pavor quando andava de carro com meu pai e ele me mostrava pela rua, crianças um pouco mais velhas usando uniformes escolares. Todas meio que iguais, com expressões infelizes. Após baixar o dedo dizia, “ logo você estará assim também, indo para a escola”. Um vento frio cortava a minha alma durante a duração daquelas palavras. Eu, desesperado, perguntava quando ocorreria, com a voz fraca, com os olhos marejados; fazia de tudo para ele não ver minhas lágrimas.
O fato dele olhar para frente, para o trânsito aliviava mas ele respondia que seria só quando eu tivesse sete anos. Então ele perguntava, “quanto anos você tem?”. — claro que ele sabia, mas me testava e eu respondia, “cinco!”, com a mão aberta. Aqueles dedos brancos esticados eram o símbolo de minha idade. Aí, vinha resposta mais linda de minha vida, “daqui a dois aniversários”.
Como os aniversários demoravam para chegar, pois eram dias excelentes pra se ganhar presentes, respirava aliviado. Ainda haveria uma eternidade para percorrer. Poderia continuar a viver em paz.
Não, eu não queria ir para escola. Jogava bola no quintal, subia em árvores, conversava com meu cachorro e tinha uma cumplicidade com minha goiabeira. Que mais um ser humano poderia querer? Mas o tempo passava e eu não via; ele agia sorrateiramente. Como pode haver acordo entre uma criança e o tempo, se ele não avisa que passa? Acho que o tempo é o adulto disfarçado; sim o tempo é o adulto. É como tirar um índio da floresta e dizer pra ele que naqueles prédios todos da cidade, há felicidade. Céus, há quem acredite nisso!
O uniforme esticado sobre a cama no ano em que completaria sete anos, mefez infeliz. Tudo soava com um sinfonia de morte. O barulho de meus amigos gritando na rua, lá fora, soava como adeus. Não poderia brincar o tempo que quisesse. Estava prestes a atravessar um limiar e não o queria fazer. Se pudesse olhar o futuro, não o faria. Continuaria brincando na rua, correndo atrás da bola e subindo em árvores.
Mas fazer o quê? Há quem possa com pessoas que se acham superiores? Não, somente matando ou os enfiando em guarda-roupas.— imaginava fazer isso com pessoas chatas na esperança de encontrá-las devoradas por traças, mais tarde. Se tivesse feito isso, talvez tivesse livrado o mundo de uma série de burocratas. E olha que eu nem os conhecia direito, mas antes de o saber, já sentia que estavam na escola; conhecimento a-priori dito Kant? Talvez, mais o faro de criança que detecta um meliante dessa categoria e de longe, a cem mil quilômetros. O maldito tecnocrata sempre aparece e quer resolver tudo com regras e então fui para a escola, de uniforme, sem direito a réplica. Nela, todos estavam iguais a mim; mas engraçado, que na TV, diziam que aquele troço de comunismo era mal. E eu vestido igual a todos. Teria eu me transformado num comunista?
—...Não meu filho, uniforme é para por ordem! — naquele instante descobria que a ordem era sinônimo de cara fechada, brava, imparcial, sem cor. O que eu poderia querer com um lugar desses? Nada. Nem pude escolher o lugar que queria sentar. Depois, no recreio, aprendi o primeiro palavrão de minha vida. Foi muito educativo.
Comecei a aprender uma série de coisas, entre elas, que a existência pressupunha ser outra coisa, além do que eu já era. Começava a deixar de ser eu mesmo para percorrer um caminho recheado de conteúdos e avaliações, para ser alguém no futuro. “ Você não vai querer puxar carroça, não é?” Eu respondia que não, a essa pergunta da época, nos anos 70. Mas tinha inveja do cachorro que dormia ao sol, na calçada, em plena segunda-feira, sob o sol tropical do país que alugamos.—há quem não tenha casa e aluga uma; há quem não tenha país e aluga um. É assim que sempre me senti.
Assim, entrei para o mundo dos normais: A Escola. Era um lugar que me ensinava bastante. Ex: que Duque de Caxias era herói do Brasil. E que tudo era governado por adultos. Quanto mais conhecia adultos, mas entendia que eles eram sérios. Só sabiam ser sérios. E me rotulavam constantemente.
—Aquele ali não vai ser boa coisa. Olha como ele suja a roupa no recreio, jogando bola?
Realmente não me tornei grande coisa. Hoje sou professor e mais do que nunca, com vontade colocar burocratas nos guarda-roupas para que as traças não morram, — uma espécie franciscanismo de minha parte, associado ao desejo de poder trabalhar sonhando. Também para livrar a sociedade de tão enfadonho peso.
Junte-se a mim e vamos expulsar o burocrata que há em nós.
Nesse momento você está mais para um ofício, ou para um solo de piano?