sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O Gato Cheshire




Escreve-se Cheshire e se pronuncia ‘cherry’. Um gato simbólico que apareceu para Alice, no País das maravilhas, quando diante de duas estradas e ela pergunta ao gato que flutua, com o sorriso parecido com a lua crescente, qual caminho deve seguir. Ele argumenta sobre qual lugar ela pretende chegar. Alice responde que não sabe. E Cheshire responde que tanto faz, qualquer caminho nos leva a um lugar que desconhecemos desejar chegar.
Ainda no velho Reino Unido, havia um conto do século XVIII, sobre os gatos de Kilkenny, um lugarejo da Irlanda, onde os felinos se devoravam em brigas memoráveis e, por muitas vezes, só restavam suas caudas. Talvez uma metáfora sobre a nadificação do mundo, da corrosão interna e perene dos seres vivos. Hoje estamos altivos e orgulhosos sobre nossos pés; amanhã estaremos debaixo da terra, em silêncio, em lua de mel com os vermes, esse exército da ruína, como diria Augustos dos Anjos.
Cérbero, por sua vez, um cão de três cabeças, é o guardião do inferno de Hades, na mitologia Grega. Também no século XVIII, século em que a humanidade, ao que parece, mais se deixou levar pela psicologia dos contos e histórias, determinou-se que as três cabeças desse cão representavam passado, presente e futuro. Não sei qual seria o futuro de alguém às portas do inferno, diante de uma besta como essa. Mas o fato é que ele guarda o inferno e ninguém sai ou entra sem que seu bafo triplo seja sentido. Um cão de três latidos. Eco sobre eco. Loucura. Tormento. 
Os animais são, na realidade, na literatura, uma metáfora perfeita sobre o que pensa a humanidade, seus desejos e, por vezes, o que rejeita. Expressam a força interior do Homem. Na pré-história o xamanismo só fazia sentido se, nas leituras dos mistérios do mundo e do caos que o alimentava, as figuras dos animais surgissem como lastros para uma racionalidade. — Por isso não é preciso ir muito longe para saber o porquê da torcida gay corinthiana escolher uma Gaivota como símbolo. Querem voar longe, alto, sobre o mar azul, como seus irmãos da Gaviões da Fiel. 
O gato é símbolo da loucura, do mundo insondável, território das bruxas. Quando é negro e, em plena sexta-feira treze, cruza o caminho dos pobres mortais, indica que tudo será virado de pernas para o ar. O cão, por sua vez, é o melhor amigo do Homem e é o guardião do inferno. Ele guarda o Homem e o inferno. Será o interior do homem o próprio inferno?
Ledo e Ivo engano quem pensa que os animais, metafísicos ou físicos, são desprovidos de sentido. Há uma profunda relação entre os lobos e os caribus, nas terras ermas do norte, lá onde o Canadá já não é nem mais Canadá. Os Inuits (esquimós) dizem que os espíritos de ambos estão profundamente ligados. Não haveria milhares de caribus correndo pelas planícies de taigas se não fossem os lobos. Eles devoram aquilo que é de mais fraco e doente nos caribus. Assim eles sempre renascem, em sua maioria, fortes e capazes de sobreviver ao inverno dos extremos latitudinais das regiões subárticas.
Os Inuitis observaram isso muito antes do que Darwin. Às vezes penso com meus fantasmas por que foi mais fácil aos Inuits, supostos selvagens do gelo, entenderam a relação dos seres na natureza, do que explicar a católicos e evangélicos, habitantes eternos da Terra Plana, que tudo no mundo está relacionado e nada se perde, e não somos o centro do universo, menos ainda o quê lhe dá sentido (?). 
Os lobos não choram porque têm o espírito forte. Nietzsche escolheu para si a águia e a serpente como animais símbolos para sua filosofia; eles são corajosos e não têm medo da vida. E isso não significa que não conhecerão a morte e a derrota.