Escreve-se
Cheshire e se pronuncia ‘cherry’. Um gato simbólico que apareceu para Alice, no
País das maravilhas, quando diante de duas estradas e ela pergunta ao gato que
flutua, com o sorriso parecido com a lua crescente, qual caminho deve seguir.
Ele argumenta sobre qual lugar ela pretende chegar. Alice responde que não
sabe. E Cheshire responde que tanto faz, qualquer caminho nos leva a um lugar
que desconhecemos desejar chegar.
Ainda no velho
Reino Unido, havia um conto do século XVIII, sobre os gatos de Kilkenny, um
lugarejo da Irlanda, onde os felinos se devoravam em brigas memoráveis e, por
muitas vezes, só restavam suas caudas. Talvez uma metáfora sobre a nadificação do mundo,
da corrosão interna e perene dos seres vivos. Hoje estamos altivos e orgulhosos
sobre nossos pés; amanhã estaremos debaixo da terra, em silêncio, em lua de mel
com os vermes, esse exército da ruína, como diria Augustos dos Anjos.
Cérbero, por
sua vez, um cão de três cabeças, é o guardião do inferno de Hades, na mitologia
Grega. Também no século XVIII, século em que a humanidade, ao que parece, mais
se deixou levar pela psicologia dos contos e histórias, determinou-se que as três
cabeças desse cão representavam passado, presente e futuro. Não sei qual seria
o futuro de alguém às portas do inferno, diante de uma besta como essa. Mas o
fato é que ele guarda o inferno e ninguém sai ou entra sem que seu bafo triplo
seja sentido. Um cão de três latidos. Eco sobre eco. Loucura. Tormento.
Os animais
são, na realidade, na literatura, uma metáfora perfeita sobre o que pensa a
humanidade, seus desejos e, por vezes, o que rejeita. Expressam a força
interior do Homem. Na pré-história o xamanismo só fazia sentido se, nas
leituras dos mistérios do mundo e do caos que o alimentava, as figuras dos
animais surgissem como lastros para uma racionalidade. — Por isso não é preciso
ir muito longe para saber o porquê da torcida gay corinthiana escolher uma Gaivota
como símbolo. Querem voar longe, alto, sobre o mar azul, como seus irmãos da Gaviões
da Fiel.
O gato é
símbolo da loucura, do mundo insondável, território das bruxas. Quando é negro
e, em plena sexta-feira treze, cruza o caminho dos pobres mortais, indica que
tudo será virado de pernas para o ar. O cão, por sua vez, é o melhor amigo do
Homem e é o guardião do inferno. Ele guarda o Homem e o inferno. Será o
interior do homem o próprio inferno?
Ledo e Ivo
engano quem pensa que os animais, metafísicos ou físicos, são desprovidos de
sentido. Há uma profunda relação entre os lobos e os caribus, nas terras ermas
do norte, lá onde o Canadá já não é nem mais Canadá. Os Inuits (esquimós) dizem
que os espíritos de ambos estão profundamente ligados. Não haveria milhares de
caribus correndo pelas planícies de taigas se não fossem os lobos. Eles devoram
aquilo que é de mais fraco e doente nos caribus. Assim eles sempre renascem, em
sua maioria, fortes e capazes de sobreviver ao inverno dos extremos
latitudinais das regiões subárticas.
Os Inuitis
observaram isso muito antes do que Darwin. Às vezes penso com meus fantasmas
por que foi mais fácil aos Inuits, supostos selvagens do gelo, entenderam a
relação dos seres na natureza, do que explicar a católicos e evangélicos, habitantes
eternos da Terra Plana, que tudo no mundo está relacionado e nada se perde, e
não somos o centro do universo, menos ainda o quê lhe dá sentido (?).
Os lobos não choram
porque têm o espírito forte. Nietzsche escolheu para si a águia e a serpente
como animais símbolos para sua filosofia; eles são corajosos e não têm medo da
vida. E isso não significa que não conhecerão a morte e a derrota.