quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Yoani Sánchez


Meu amigo de violadas, guitarradas e outros ruídos, Bruno Rocha, também conhecido como o Buda de chocolate, me pediu para que escrevesse sobre Yoani Sánchez, a tal blogueira cubana que pousou em nosso território.
Não posso apoiar, em sã consciência, no caso de Cuba, um país que tem em seu DNA a 'revolução' e, em contradição a si mesmo, a prática indefensável da proibição da expressão de seus cidadãos pela internet e meios mais. Em contrapartida, não posso me alinhar a uma superpotência, os EUA, que impõe um embargo econômico aos habitantes da ilha caribenha, impedindo acesso à medicamentos, alimentos e tecnologia. Ambos cometem crimes contra a humanidade, a meu ver.
O Estado cubano peca em não permitir, em suas entranhas, as vozes da dissidência. Isso transformou o sonho do socialismo caribenho em algo refratário. Nem mesmo o Vaticano é tão fechado assim, com seus anjos e demônios nos bastidores, cometendo crimes e lavando dinheiro da máfia, no banco Ambrosiano; independente disso tudo, ‘enfiaram’ um twitter nas mãos do ‘falecido’ Bento 16.
Quanto a Yoani, o questionamento é básico: quem a financia? Ela é contra ou a favor do embargo? O fato de ter sido vaiada na Bahia, mostra que todo 'palanque' gera uma reação. Orquestrada ou não, as batalhas de palavras de ordens são sintomas de uma democracia jovem; quando nos acostumarmos com o processo, trocaremos as vaias pelo silêncio e/ou o descaso, que parecem ser mais elegantes, porém com menos verve.
A mídia, espero, também irá evoluir quando a Democracia brasileira for mais consistente. Deixará de transformar episódios prosaicos como esse, — algo que se assemelhou a uma disputa de chapas por um grêmio universitário, sim Yoani! X fora Yoani!’ —, num iminente furacão ‘Catrina’, que além de divisor de águas, na História da humanidade, vai representar, até o fim dos tempos, toda a essência do Iluminismo republicano. Eis o jornalismo numa Disneylândia desvairada.  
Na abertura dos jogos Pan-americanos, no Rio de Janeiro, em 2007, Lula, então presidente, foi vaiado pela platéia carioca. Galvão Bueno, que narrava o evento à época, disse que era a maior demonstração democrática que se tinha notícia. A comitiva dos EUA, de quebra, foi vaiada também, e a cubana, aplaudida. Quem está certo: ontem, hoje, amanhã? Democracia nem sempre pode ser o fruto da 'jurisprudência'. Ela possui uma votalidade inata, mas que só deve agir e fluir do interior da opinião pública para a exposição da opinião pública; confunde-se formação de opinião, com senso comum democrático.
Todo espetáculo político-cultural-econômico-esportivo, em micro ou macro escala, está sujeito às vaias e conflitos. A seleção brasileira, o Corinthians e astros do mundo pop, já foram vaiados até em aeroportos. O quê fazer, impor a lei do silêncio? Num paradoxo, alcançaríamos, na busca por elegância, o mesmo nível das palavras de ordens da ditadura brasileira: “povo limpo, povo desenvolvido!”; era o que diziam os gorilas militares de plantão. Assim, por analogia, segundo a atual mídia refratária brasileira pós-yoani, o lema atual seria: “povo silencioso, povo elegante!”.  
A Democracia nem sempre é composta por regras de etiqueta, isso leva tempo. E nem sempre deve ser representada como a luz da razão, pelo contrário, pode ser uma chuva impiedosa que não pensa duas vezes em molhar aqueles que, por vezes, são mais petulantes do que racionais, e menos fortes do que aparentam ser. Mas como disse Aristóteles, “o Homem é um animal político!”. Mas é preciso ser forte.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Ford, a OAB e o consumo




Henry Ford iniciou a produção de carros em 1901. Tornou-se uma obsessão produzir cada vez mais rápido e mais barato o mesmo bem de consumo. Sua idéia era que a qualidade do automóvel, sua durabilidade e eficiência, seriam a melhor propaganda. Mas um dia foi alertado a respeito da superprodução de carros que nunca quebravam; isso poderia levar a uma paralisação da produção.
Recebeu em seu escritório alguns homens que pertenciam a uma sociedade secreta. Não tinham nome, usavam ternos negros e óculos escuros; todos se pareciam com o louva-a-deus, aquele inseto predador de aparência dócil.  A Sociedade Secreta do Consumo tinha uma lógica simples: a ‘massa de indivíduos’ da modernidade precisava sentir-se sempre insatisfeita, ansiosa e ‘ciente’ que só a posse de um novo bem de consumo poderia lhe fazer menos triste. — Hoje chamamos a isso de obsolescência programada.
Ford entendeu que o estímulo à demanda era imprescindível para que ele continuasse a vender carros, então assinou com a Sociedade Secreta do Consumo e contratou uma agência de propaganda, especializada em estimular ‘necessidades’ nos indivíduos’. E de resto, todos sabem o que ocorreu com a indústria automobilística. Porém, ainda pouco se sabe da evolução dos tentáculos da Sociedade Secreta do Consumo, que passou a se intitular, secretamente, Sociedade Secreta do Crime (SSC) e ampliou seus negócios para o campo sócio-cultural-político-econômico.
A lógica desenvolvida pela SSC é tão simples que ninguém percebeu sua adaptação aos vários setores da sociedade: se um homem médio, que trabalha full time, está sempre insatisfeito e sente-se menos mal ao ‘comprar’ algo, haverá de reagir da mesma maneira se sentir-se injustiçado. Sentirá necessidade de comprar justiça. Ou pelo menos sua sensação. Só pode haver demanda por justiça, se houver uma alta e sofisticada produção de crimes que o leve a desejar contratar um advogado.
Assim a SSC disfarçou-se numa série de ordens e sociedade legais, afinadas com discursos constitucionais, mas por detrás da fachada, os mesmos homens de preto, com uma ninhada de louva-a-deus, organizavam o crime; desde ao batedor de carteiras, ao ministro do supremo tribunal, que comercializa habeas corpus de processos verdadeiros ou não, isso pouco importa. Kafka tornou-se café pequeno diante dos ministros das supremas do mundo ocidental.
Se no caso de Henry Ford as agências de propaganda eram suficientemente eficazes para semear ‘falsas necessidades’, no caso da produção de crimes arquitetados pela SSC, isso não seria possível. Tal função passou a ser feita pela mídia. Noticiando crimes e mais crimes, o telespectador sente a necessidade contínua de contratar um advogado. O rábula, proporcionalmente, se torna uma espécie de item imprescindível de uma nécessaire administrativa, tal como o batom das secretárias.
Dessa forma, para ampliar a demanda, os rábulas da SSC passaram a agir nas portas das cadeias, nas portas das farmácias, com seus processos que obrigam o Estado a comprar medicamentos que já são distribuídos gratuitamente. Finalmente chegaram ao Congresso, onde, através do financiamento de campanhas, comercializam as leis das Constituições dos países ocidentais e 'democráticos'. Uma prática chamada, carinhosamente, pela mídia, de Lobby.   
Traficantes, seqüestradores, bicheiros, jornalistas, empresários da informação, contrabandistas,  juízes, promotores, padres, pastores, pais de santo, todos vivem nas sombras das ordens institucionais dos rábulas, são os marionetes, aqueles que mantêm a demanda do crime em alta e as burras da SSC transbordando, normalmente depositadas num país de isenção fiscal. Afinal, os impostos são insuportáveis.
Evidente, este é um texto de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Mas até mesmo Deus, quando terminou sua obra maior, ‘nós’, e estava a contemplar-nos e em meio a lágrimas, ouviu o anjo Gabriel dizer-lhe, “Senhor, se eles forem felizes, logo esquecerão do Senhor!” Deus se assustou com aquela constatação. Logo ele, o ser perfeito, poderia ser esquecido. Melhor não correr o risco. Pediu a Gabriel que chamasse Lúcifer e depois a sós, com o próprio futuro filho das trevas, ordenou-lhe: “Desça, e não deixe que eles se esqueçam de mim!”                                                   

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Christe libera est


Em plena exaltação da Modernidade, no século XIX, o filósofo Nietzsche declarou a morte de Deus. Sua frase bombástica, “Deus está morto!”, muito mais simples do que se imagina, deixou parte do Ocidente assombrado. Decorrido o século XX, em milhares de crises éticas, no século XXI, a Suprema Corte brasileira descriminalizou o aborto do anencéfalo. Comprovou-se, por A + B, também em solo brasileiro, além de outros países, que a Humanidade, tal como o filósofo alemão havia previsto, passaria a usar o livre arbítrio com base na Razão, e não mais em doutrinas teológicas para seguir na ‘Vida’.
Eutanásia, aborto, células tronco, transplante de órgãos, utilização de órgãos de animais, transfusão de sangue e etc. Tudo transformado em norma e utilizado com base numa legislação positiva. A Humanidade passou a decidir, no lugar de Deus, os limites da possibilidade da vida. Eis a morte de Deus no avanço da ciência/razão. A maturidade do Homem coincide com a posse sobre as decisões do que é certo ou errado. A ética desceu das nuvens e cravou os pés no chão, em nossos problemas concretos e desencadeou outros níveis de moralidade.
O crash causado pela renúncia de Bento XVI, nada mais é do que o efeito do antinflamatório racional com o qual o Ocidente vem se auto-medicando, via filosofia/ciência, de maneira perene e ao longo de todo século XX. Igreja Católica e Ocidente estão, nesse exato instante, deixando de ser sinônimos. Lentamente o conceito de República Democrática vai assumindo o posto de Instituição essencial e inevitável para sobrevivência da humanidade, sob condições mínimas materiais e psicológicas.
         É fato que a República tem em seu corpo, em anexo, as máculas do capitalismo, que ao que parece, será o último pilar a se dissolver em nossas mãos. O Stalinismo, o nazi-fascismo, o classicismo, o romantismo, as ideologias, todos se dissiparam como fumaça. Agora é a vez do ‘vaticanismo’ que, de maneira charmosa, moderna e on-line, vai pelo ralo abaixo.
O cristianismo errou feio ao centralizar sua ‘patente’ numa só instituição. Inverteu-se a lógica. A figura do papa se tornou mais importante do que a de Cristo. O capataz se tornou mais forte do que o agricultor, que por aptidão e ofício é quem gera o alimento do corpo e do espírito. O chicote da Santa Sé, moralista e conservador, passou a falar mais alto do que o estado de espírito solidário, fraterno e tolerante para com os povos do mundo. Ao invés de amadas, as criancinhas, "pois é delas o reino dos céus", sentiram na pele o flagelo do sadismo provindo dos pedófilos de batina. Todo aquele que se ajoelha diante da homilia, deve pedir perdão por todos os casos de pedofilia abafados dentro de uma Instituição que diz ‘falar’ em nome de Deus.
A História, por sua vez, revela o sangue inocente que escorre do altar da ‘fé católica’: as cruzadas, os tribunais da inquisição, a cooperação com os nazistas no extermínio de judeus, a aceitação do tráfico negreiro, o preconceito contra gays, a idéia de que alegria é pecado, a gula pelo dinheiro através do Banco Ambrosiano e uma série de outros delitos contra a humanidade. Dentro dos muros do Vaticano habitam os setes pecados capitais.
Assim, com as bençãos da crise, que é positiva, a renúncia de Bento de XVI deixa o Cristo livre, se Nietzsche disse que Deus estava morto, em pleno século XIX, pode-se afirmar, 'hosana nas alturas', que Cristo está livre!, “Christe libera est!”. Seu algoz deu a graça de sua ausência. Melhor se não viesse nenhum outro em seu lugar e os princípios da doutrina mais poética de todas pudesse, finalmente, se infiltrar nos poros da humanidade.
‘Em suma’, não é errado afirmar que os cristãos ainda não nasceram no mundo, pois um cristão, em essência, não precisa de padres, pastores, papas, bispos, cardeais e derivados, menos ainda necessita vestir-se de terno e gravata e doar parte de seu salário para o estelionato que fazem em nome de alguém que só usava uma túnica e um cajado, e desacreditava os templos com seus fariseus. Sem papas, pastores, pais de santo e outros sepulcros caídos, Cristo é livre! 
PS: ao cristão basta saber ler e praticar.