Graças às
bençãos do aquecimento global é bom por demais poder passar uns dias no litoral,
em pleno inverno. Cerveja boa, camarão frito, batida de côco e caipirinhas
mais; até aquele queijo vendido pelos ambulantes fica mais gostoso. Poder ficar
na praia nos horários proibidos pelo Ministério da Saúde, das 10hs00 às 15hs00,
sem filtro solar, é a glória maior pra nossas carcaças. E o mar fica mais azul
do que de costume.
E foi em plena Praia Grande ,
Ubatuba, SP, numa caminhada de ponta a ponta, para recolhimento do colesterol a
níveis toleráveis, que vislumbrei a decadência do Futebol brasileiro (claro, dá
pra ver na TV também). A Pelada, nossa maneira mais importante de revelar
craques, foi invadida por jogadores de Rugby, lutadores de Box, samurais,
touros bravos, homens da idade da pedra e troglodismos mais.
Eu vi a bola na areia
branca, as pequenas traves de PVC e uma correria dos
infernos: gente dando chutão, conclusões com o bico do dedão, voava areia e
barro pra todo lado; o som dos corpos se chocando era pavoroso, além de muita
gritaria; ou seja, um espetáculo de horror. Parecia que eu estava diante de um
bando de argentinos germanizados — pra esse velho cronista, amante do futebol
arte, argentinos e alemães jogam Rugby com os pés, e não futebol.
Voltei pra meu
guarda-sol e não escondia minha decepção. A Pelada é um espetáculo circense. Em
minha época, só participava dela os que jogavam do meio de campo pra frente e
alguns poucos laterais. Zagueiros, volantes e goleiros ficavam na torcida. É
que os passes eram à base de ‘cavadinhas’, pequenas trivelas, a famosa letra e mais
o calcanhar; a idéia era usar o máximo possível de habilidade para deixar o
companheiro quase que dentro do gol, dois tijolos a meio metro de distância um
do outro, para que ele, com a chapa do pé, empurrasse a bola pro gol; o mais
importante era como a bola havia chegado até ali e quanto de habilidade a
jogada havia exigido.
Por isso
pensei na função do Salva-Peladas. Seriam ex-jogadores de nossa Seleção,
Campeões do Mundo, atacantes e meio-campistas ofensivos, contratados pelo
Estado brasileiro, para nos períodos de férias, permanecerem de plantão em
praias, campinhos, quadras de condomínios e praças. Quando diante de uma Pelada
em que a bola estivesse sendo maltratada por demais, teriam o direito
constitucional para intervir: “Ô Cabeça de Touro, ô Locomotiva, ô Foguetero e
mais o Maguila ali, parem de jogar e sentem-se aqui!”. A primeira lição que
dariam aos Minotauros das peladas era que, a bola, ontem, hoje e amanhã, será
sempre redonda. Tem que ser tratada como uma mademoiselle.
Quem assistiu
a Corinthians e Boca Jr, e comparou com Espanha e Itália, na final da Euro-Copa,
percebeu a diferença de como a bola foi destratada na Libertadores da América,
e acariciada no jogo de encerramento da Euro-Copa. Guardiola (ex-técnico do ‘Barça’,
base da seleção espanhola) ensinou aos espanhóis que era preciso jogar como os
brasileiros. Sim, o time da Espanha parece um aglomerado de peladeiros. Messi
nem faz falta.
Já no Brasil
de hoje, Tite e Felipão, no Corinthians e Palmeiras respectivamente, querem que
joguemos como argentinos, temperados à germânia: um Deus-nos-livre à base de
chutão pra frente que alguém lá frente faz um gol e a gente ganha a
Libertadores e/ou a Copa do Brasil. Sim,
eu sou um purista. Ganhar é bom, bom demais. Mas tem que ser igual foi nas Copas
de 1970 e 2002, que apesar do Felipão nessa última, os três Rs jogaram muito;
era time peladeiro, por isso que outro peladeiro, Romário, de certa forma, não
fez falta.
Ah! Quase que
já ia me esquecendo: outra lição dos Salva-Peladas pros cabeças de bagre seria
perguntar-lhes: “Ô rapaz, o que você tem sobre os ombros? Isso! Em cima dos
ombros! Não! Aí não! Aí é o cotovelo! Isso, sobre o pescoço! Isso! Entendeu? É
uma cabeça. Olha pra cima! É que antes da bola chegar em seus pés, você já deve
saber pra quem vai passar”. Se essa molecada pudesse ver o Gerson jogar. Hum! Acho
que é sonhar demais.