sexta-feira, 27 de julho de 2012

O Salva-Peladas




Graças às bençãos do aquecimento global é bom por demais poder passar uns dias no litoral, em pleno inverno. Cerveja boa, camarão frito, batida de côco e caipirinhas mais; até aquele queijo vendido pelos ambulantes fica mais gostoso. Poder ficar na praia nos horários proibidos pelo Ministério da Saúde, das 10hs00 às 15hs00, sem filtro solar, é a glória maior pra nossas carcaças. E o mar fica mais azul do que de costume.
E foi em plena Praia Grande, Ubatuba, SP, numa caminhada de ponta a ponta, para recolhimento do colesterol a níveis toleráveis, que vislumbrei a decadência do Futebol brasileiro (claro, dá pra ver na TV também). A Pelada, nossa maneira mais importante de revelar craques, foi invadida por jogadores de Rugby, lutadores de Box, samurais, touros bravos, homens da idade da pedra e troglodismos mais.
Eu vi a bola na areia branca,  as pequenas traves de PVC e uma correria dos infernos: gente dando chutão, conclusões com o bico do dedão, voava areia e barro pra todo lado; o som dos corpos se chocando era pavoroso, além de muita gritaria; ou seja, um espetáculo de horror. Parecia que eu estava diante de um bando de argentinos germanizados — pra esse velho cronista, amante do futebol arte, argentinos e alemães jogam Rugby com os pés, e não futebol.
Voltei pra meu guarda-sol e não escondia minha decepção. A Pelada é um espetáculo circense. Em minha época, só participava dela os que jogavam do meio de campo pra frente e alguns poucos laterais. Zagueiros, volantes e goleiros ficavam na torcida. É que os passes eram à base de ‘cavadinhas’, pequenas trivelas, a famosa letra e mais o calcanhar; a idéia era usar o máximo possível de habilidade para deixar o companheiro quase que dentro do gol, dois tijolos a meio metro de distância um do outro, para que ele, com a chapa do pé, empurrasse a bola pro gol; o mais importante era como a bola havia chegado até ali e quanto de habilidade a jogada havia exigido.
Por isso pensei na função do Salva-Peladas. Seriam ex-jogadores de nossa Seleção, Campeões do Mundo, atacantes e meio-campistas ofensivos, contratados pelo Estado brasileiro, para nos períodos de férias, permanecerem de plantão em praias, campinhos, quadras de condomínios e praças. Quando diante de uma Pelada em que a bola estivesse sendo maltratada por demais, teriam o direito constitucional para intervir: “Ô Cabeça de Touro, ô Locomotiva, ô Foguetero e mais o Maguila ali, parem de jogar e sentem-se aqui!”. A primeira lição que dariam aos Minotauros das peladas era que, a bola, ontem, hoje e amanhã, será sempre redonda. Tem que ser tratada como uma mademoiselle.
Quem assistiu a Corinthians e Boca Jr, e comparou com Espanha e Itália, na final da Euro-Copa, percebeu a diferença de como a bola foi destratada na Libertadores da América, e acariciada no jogo de encerramento da Euro-Copa. Guardiola (ex-técnico do ‘Barça’, base da seleção espanhola) ensinou aos espanhóis que era preciso jogar como os brasileiros. Sim, o time da Espanha parece um aglomerado de peladeiros. Messi nem faz falta.
Já no Brasil de hoje, Tite e Felipão, no Corinthians e Palmeiras respectivamente, querem que joguemos como argentinos, temperados à germânia: um Deus-nos-livre à base de chutão pra frente que alguém lá frente faz um gol e a gente ganha a Libertadores e/ou a Copa do Brasil.  Sim, eu sou um purista. Ganhar é bom, bom demais. Mas tem que ser igual foi nas Copas de 1970 e 2002, que apesar do Felipão nessa última, os três Rs jogaram muito; era time peladeiro, por isso que outro peladeiro, Romário, de certa forma, não fez falta.
Ah! Quase que já ia me esquecendo: outra lição dos Salva-Peladas pros cabeças de bagre seria perguntar-lhes: “Ô rapaz, o que você tem sobre os ombros? Isso! Em cima dos ombros! Não! Aí não! Aí é o cotovelo! Isso, sobre o pescoço! Isso! Entendeu? É uma cabeça. Olha pra cima! É que antes da bola chegar em seus pés, você já deve saber pra quem vai passar”. Se essa molecada pudesse ver o Gerson jogar. Hum! Acho que é sonhar demais.